terça-feira, 29 de setembro de 2015

Medicina perioperatória: ponte de heparina para procedimentos - como eu faço ?

Pacientes utilizando varfarina e que serão submetidos a procedimentos cirúrgicos poderão ter a necessidade de substituição temporária da medicação por heparina de baixo peso molecular ou, de maneira menos comum, por heparina não-fracionada.

Essa situação, conhecida como 'ponte de heparina', acontece em situações onde o risco de sangramento associado a determinado procedimento é considerado elevado mas o risco de evento trombótico no paciente é alto, p.e. uma paciente com fibrilação atrial com CHADS de 5 que teve um AVC cardioembólico há 50 dias que irá fazer uma gastrectomia.

Nesse cenário, ficamos entre a 'cruz e a espada. Se deixamos o doente anticoagulado pleno há risco de sangramento importante, eventualmente com risco de vida, ao passo que, caso suspendamos a medicação, poderemos resultar em maior risco de eventos embólicos nesse período desprotegido.

O objetivo da 'ponte' seria que o paciente ficasse o menor tempo possível sem cobertura adequada de anticoagulação.

* Não é o foco desse post discutir as indicações de ponte de heparina

- Sendo assim, uma vez indicada a ponte de heparina, como devemos proceder ?*

Suspende-se a varfarina 5 dias antes do dia do procedimento. Paciente fica sem medicação por 2 dias e, então, no 3 dia antes da cirurgia, inicia-se a heparina subcutânea que será mantida até a véspera da operação.

A dose de enoxaparina é de 1 mg/kg de 12/12h. Há frascos de 20, 40, 60 e 100 mg.

No dia anterior a intervenção temos de realizar 2 coisas:

- Medir o TP: se estiver INR > 1,5 - pode-se fazer administração de vitamina K via oral e solicitar novo INR ao fim do dia. Se já estiver < 1,5, não há nenhum cuidado adicional.
- Suspender a dose noturna da enoxeparina

No pós-operatório, após avaliação e controle local da hemostasia, decide-se, em conjunto com o cirurgião responsável, o momento de se reiniciar a anticoagulação. Habitualmente, reinicia-se a heparina com 24-48h (podendo estender até 72h após) e a varfarina assim que o paciente já estiver com ingesta oral liberada, o que costuma acontecer na própria noite do dia da cirurgia ou na manhã seguinte.

A dose de retorno é a mesma que o paciente fazia uso antes da cirurgia. Habitualmente, demora-se de 5-10 dias até que o INR volte a faixa terapêutica. Isso uma vez alcançado, podemos suspender a enoxeparina.

Veja na figura abaixo um sumário do que foi falado aqui.


* Note que essas recomendações se aplicam ao doente que vem com o controle adequado ambulatorialmente. Pacientes com valores lábeis de INR necessitam de individualização de sua conduta, eventualmente com medidas mais frequentes do TP e esquemas modificados.

- O paciente precisa estar internado para realizar a ponte de heparina ?

Todo esse processo de substituição gradativa da varfarina pelo HBPM - a mais utilizada no mercado é a enoxeparina, mas há outros tipos, p.e. dalteparina - pode ser com o paciente em casa. Ele comparece no D -6 ao ambulatório, recebe as orientações da enfermagem a respeito de como aplicar a enoxaparina, dirige-se a farmácia do hospital onde  retiras os fracos da HBPM. No D -1, realiza o exame do TP e entra com contato com a equipe médica (por telefone, mensagem de texto ou apps médicos): se o INR < 1,5, basta comparecer na manhã da cirurgia para realizar o procedimento e se INR > 1,5, o paciente comparece ao hospital para receber a vitamina K e já fica internado para cirurgia no dia seguinte.

- Em quais pacientes fazer a heparina não-fracionada talvez fosse preferencial ?

Sobretudo naquelas situações onde o indivíduos tem insuficiência renal importante (ClCr < 30min/ml/m2) ou mesmo em processo de hemodiálise, haja vista que a heparina de baixo peso tem sua atuação de maneira mais imprevisível nesse cenário e também quando a data da cirurgia é incerta , p.e. o indivíduo que anticoagula por fibrilação atrial e interna na sexta-feira para realizar um procedimento na semana seguinte, mas não se sabe ao certo o dia da cirurgia: pode ser segunda, terça. Sendo assim, acaba-se optando pelo uso de Heparina Não-Fracionada em bomba de infusão, haja vista que bastam 6 h sem a infusão do remédio para o seu efeito anticoagulante passar e ai o doente terá menos risco de ter cancelado seu procedimento.

Nesse caso, faz-se o controle do TTPa de 6 em 6 horas e ajusta-se para manter uma relação entre 1,5 - 2,5. Suspende-se a medicação 6 h antes do início do procedimento. Pode-se uma sulfato de protamina como antagonista especifico.

Apesar de parecer 'estranho' internar um doente em uma sexta para operar apenas na outra semana essa é a realidade de muitos hospitais do SUS em nosso país, onde interna-se o doente para que ele entre na programação cirúrgica da outra semana. Além dessa situação, não é incomum, por exemplo, em locais com dificuldade de realização de determinada cirurgia - revascularização miocárdica, por exemplo - que haja sempre um paciente 'na reserva' caso o doente escolhido por algum motivo não consiga ser operado no dia agendado, caso esse paciente em fila de espera seja escolhido e esteja com necessidade de ponte de heparina, o uso de HNF também seria preferencial, pois teria seu efeito rapidamente revertida e a protamina seria de melhor eficácia.


Leitura sugerida:

Perioperative management of patients receiving anticoagulants em uptodate.com/online acessado em set/2015. Disponível aqui

Bridging Anticoagulation. The BRIDGE Study Investigators. Circulation 2012. Disponível aqui

Perioperativa management of patientes who are receiving warfarin theraphy: an evidence-basead and practical approach . Douketis JD. BLOOD, 12 May 2011 Volume 117 Number 19. Disponível aqui

domingo, 27 de setembro de 2015

Desafio de ECG 4 - Qual o diagnóstico deste paciente com este ECG e este exame físico ?

Paciente de 50 anos com queixa de palpitações taquicárdicas há 2 anos, com frequência aproximada de 1 episódio por semana desde então, com início e término súbitos, sem dor torácica, dispnéia ou síncope, vem ao pronto-socorro com a mesma queixa, iniciada há 1 hora. Ao exame físico: paciente em bom estado geral, FC 150 PA 110 x 80 mmHg, Sat02: 96% (AA), MV+ bilat sem RA, extremidades quentes.

Apresenta a inspeção do pescoço:




ECG da admissão:


Vídeo e ECG: Agradecemos as imagens gentilmente cedidas pelo Dr Antônio Hanna e Dra Ximena Rosa.


Qual diagnóstico clínico e eletrocardiográfico ?

* As respostas dos ECG sempre virão na semana seguinte acompanhadas do novo desafio.


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Desafio de ECG - Caso 3 - Comentário  - Veja o ECG clicando aqui

(por Felipe Câmara)

R-
1- ECG de base - Ritmo sinusal; Bloqueio Atrioventricular (BAV) de 1° grau + Bloqueio de ramo direto (BRD) + Extrassístoles ventriculares frequentes
2- ECG da sincope- taquicardia ventricular não sustentada (TVNS) ora monomórficas, ora polimórficas.

Explicando os achados eletrocardiográficos:

ECG de base
1- Ritmo sinusal: uma onda p precedendo cada complexo QRS
2- BAV de primeiro grau: alentecimento da condução nó atrioventricular que pode ser visto no ECG com alargamento do intervalo PR sendo este maior 20 ms ou 5 quadradinhos. 
3- BRD: Em relação a condução do estimulo elétrico pelo coração vamos lembrar da anatomia do sistema His-purkinge. Após o feixe de HIS, a condução ventricular se divide em ramo direito e ramo esquerdo, este subdividindo-se, ainda em sua porção proximal, em 3 sub-ramos: ântero-superior, pôstero-inferior e septal (ântero-medial). O ramo direito, por sua vez, divide-se distalmente em 3  pequenos ramos.

No BRD, vamos ter  um QRS 'alargado' - QRS > 110-120 mS - as custas de atraso de condução da sua porção final, com morfologia  típica em V1 de rsR' ou qR . No atraso final de condução, antigamente nomeado de Bloqueio incompleto de ramo direito (BIRD),  não temos um alargamento tão importante do QRS, que tem duração menor que 110-120 mS. Possivelmente, isso ocorre por algum distúrbio de condução da parte distal do ramo direito, em um dos 3 sub-ramos.

4- Extrassístoles ventriculares frequentes - Extrassístole é um batimento precoce que pode se originar de qualquer parte do coração, desde o nó sinusal até o miocárdio ventricular. Pela morfologia do batimento ectópico, neste caso alargado e aberrante, podemos inferir que ele é de origem ventricular. Além disso, por ser 'positiva' em V1 (sai da esquerda e vai para direita) e 'positiva' na parede inferior, podemos inferir que o estímulo teve origem na Via de saída de ventrículo esquerdo. 

ECG no momento da síncope
1- TVNS - episódio  não sustentados de taquicardia ventricular: episódios de pelo menos 3 batimentos ventriculares prematuros, com FC > 100 (ou 120) bpm e durando menos de 30 segundos. Caso durasse mais do que 30 seg dirianos que trata-se de episódio sustentado.
2- Quanto a morfologia: apresenta períodos de monomorfismo ( os QRS apresentam silhueta parecida) e períodos de polimorfismo.

Pra concluir
Temos  um homem  de 62 anos com alterações no ECG de base e um quadro de baixo fluxo cerebral transitório ocasionado por uma taquicardia ventricular. Portanto, quadro de síncope cardiogênica. Paciente deve ser internado para melhor avaliação e tratamento. 

A abordagem da síncope e o manejo das TVNS serão foco de outras postagens 

sábado, 26 de setembro de 2015

Profilaxia secundária de Febre Reumática e a escassez de Pencilina G Benzatina no Mundo - quais alternativas ?

A febre reumática é uma doença de grande preocupação do médico cardiologista devido a seus efeitos devastadores no aparelho valvar cardíaco. Atualmente, é uma das doenças consideradas negligenciadas, inclusive nacionalmente, apesar de ainda existir uma grande população acometida por essa patologia.

Nos noticiários vem ganhando notoriedade desde 2014 por conta da dificuldade mundial em produção da medicação, por relato de escassez de matéria prima. A gravidade da situação chegou ao ponto de fabricante - Eurofarma - e a comercializadora - Supera RX - da principal marca da Penicilina G Benzatina no Brasil - a Benzetacil®- ter divulgado nota técnica incentivando a prescrição do 'princípio ativo' para que os pacientes pudessem procurar outros laboratórios fabricantes de outras marcas da penicilina.

A preocupação é grande uma vez que a penicilina é a uma opção barata e efetiva para o tratamento da prevenção secundária da febre reumática (PSFR), sobretudo nos pacientes com algum grau de sequela cardíaca, bem como dos doentes com sífilis, inclusive as gestantes. 

Levando em conta isso, trazemos ao post quais as recomendações atuais para PSFR e quais suas alternativas.

PROFILAXIA SECUNDÁRIA DE FEBRE REUMÁTICA

A PSFR consiste em administração de antimicrobianos no sentido de evitar que haja colonização ou infecção de orofaringe pelos estreptococcos beta-hemolíticos do grupo A de Lancefield (EBGA) e, com isso, novos surtos que possam a agravar o acometimento valvar já instalado. 

As opções são:

1ª opção:
Penicilina G benzatina: barata, efetiva, sem necessidade de uso diário e sem documentação de cepas resistentes.
A dose é de 1.200.000 UI em  > 20 kg e 600.000 UI em < 20 kg, com intervalos de aplicação a cada 21 dias e uso intra-muscular profundo, preferencialmente em região glútea.

Alternativas:
Caso sejamos afetados temporariamente por uma crise de desabastecimento ou em um paciente comprovadamente alérgico a penilicina, temos opções de antimicrobianos de uso oral:

Sem alergia a penicilina:
Penicilina V oral: 250 mg de 12/12h em uso contínuo 

Alérgicos a penicilina:
Eritromicina: 250 mg  de 12/12h em uso contínuo
Sulfadiazina: 1 g para > 30 kg e 500 mg para < 30 kg, dose 1 x ao dia em uso contínuo - não deve ser usada na gestação

Por quanto tempo devemos manter a profilaxia ?

O tempo de tratamento irá levar em conta a idade do paciente e qual grau de acometimento cardíaco o surto de febre reumática, conforme abaixo:

Tabela retirada das Diretriz Brasileiras para Diagnóstico, tratamento e prevenção da febre reumática

Há o que possamos fazer para reduzir a dor da aplicação da Penicilina ?

Sim. Pode-se fazer a diluição da penicilina junto a anestésico local -0,5 ml de lidocaína a 2% - para redução da dor no período pós aplicação da medicação. 

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Veja os links relacionados ao tema:

Nota técnica do Ministério da Saúde em resposta a Sociedade Brasileira de Infectologia. Disponível aqui

Nota do CFM, já em 2014, alertando sobre a crise de desabastecimento. Disponível aqui

Nota do comercializador da Benzetacil® orientado a prescrição do termo genérico para acesso a outros fabricantes. Disponível  aqui

Mídia

Mídia

Leitura sugerida:

Diretrizes Brasileiras para o Diagnóstico, tratamento e prevenção da febre reumática. Arq Bras Cardiol 2009; 93(3 supl.4): 1-18. Disponível aqui

Febre reumática: prevenção e tratamento. Sociedade Brasileira de Pediatria. Disponível aqui

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Trombolisando uma Síndrome Coronariana Aguda com Supradesnivelamento do Segmento ST (SCACSSST) – Como eu faço?


O uso de medicações para destruir um trombo intracoronariano causador de uma SCACSSST - os fibrinolíticos - está incorporado a prática médico ao longo dos últimos 30 anos. Em países sem a adequada cobertura de laboratórios de hemodinâmica e com um péssimo sistema de transferências interhospitalares, como é o caso do Brasil, essa arma ganha ainda mais valor. Haja vista ser muito mais fácil equipar os hospitais com medicamento do que com um laboratório completo de angiografia.

A indicação da trombólise é para pacientes com dor torácica associado novo supradesnivelamento do segmento ST ou naqueles na vigência de dor torácica com um bloqueio completo do ramo esquerdo novo ou supostamente novo, dentro das primeiras 12 horas do início dos sintomas ( quanto menor o intervalo entre o início da dor a administração do fármaco melhores os resultados ). Veja aqui que não se deve esperar o resultado de marcadores de necrose miocárdica! A conduta é baseada na clínica + alteração do ECG.

1º passo: certifique-se que o diagnóstico está correto – na dúvida discuta com um colega.

2º passo: certifique-se que não há laboratório de cateterismo em seu serviço ou em outro próximo, em que  tempo entre você deslocar o paciente até o momento em que a artéria estaria sendo desobstruída seja menor que < 1h 30 min – definitivamente isso é quase impossível em se falando de Brasil. 

Nesse momento devem vir a sua mente aquele discurso consagrado de 'tempo é miocárdio'. Você sabe o real significado do tempo-porta balão ? Muitos acreditam que a presença física do paciente no laboratório de hemodinâmica já satifaz o conceito de porta-balão. Já vi várias pessoas contabilizando esse tempo da 'entrada do paciente' até o momento que 'entrou na sala de hemodinâmica', mas isso é incorreto. O tempo porta-balão, como o próprio nome sugere, só acaba quando o paciente está recebendo a angioplastia. Isso é importante pois, da entrada do paciente na hemodinâmica até o balonamento, há uma série de passos a serem feitos: colocação na sala de procedimento ( que, as vezes, está sendo desocupada por outro doente) -> avaliação do local de punção -> punção arterial ( que, em algumas situações podem ser demorada ) -> passagem do introdutor -> cateterização e avaliação angiográfica dos vasos -> angioplastia (finalmente). Esse processo, quando evolui sem intercorrências, demora em torno de 15-20 min.

Agora imagine você nó seu hospital da periferia ligando para sua Central de Regulação, que irá entrar em contato com Hospital de referência para passar o caso, para depoi retornar dizendo que o caso está aceito, para aguardar ambulância disponível para remoção ( e nem sempre há!) , o tempo de transporte, chegada do paciente, preparação na hemodinâmica, (..). Por isso, como dito acima, é quase impossível de se realizar todos esses trâmites em 1h 30 min a nível de nacional.

3º passo: aplique o check-list de contra-indicações ao procedimento - disponível aqui. Nele devem constar as contra-indicações absolutas e as relativas. Esse documento deve ser anexado ao prontuário do doente. Em caso de contra-indicações relativas, idealmente, um termo de consentimento livre-esclarecido deve ser assinado pelo paciente e/ou responsável legal presente no momento. Na verdade, em todos os casos o termo deveria ser preenchido, mas essa recomendação ganha força no cenário das contra-indicações relativas, onde o risco de efeito adverso, sobretudo sangramento, é maior.

4º passo: TENHA ATITUDE. Não postergue a trombólise do seu paciente por medo de sangramento ou para enviar para outro Hospital para fazer angioplastia se você já espera que se perca muito tempo na transferência.

5º passo: leve o paciente para sala de emergência e o deixe monitorizado com: PA, FC, Oximetro de pulso e eletrocardiografia contínua.

6º passo: obtenha 2 ( DOIS ) acessos venosos calibrosos ( nada de deixar um paciente só com 1 jelco 22!). Converse com a sua equipe de enfermagem e oriente a respeito da necessidade de dois acessos venosos. Isso é importante pois esse paciente é muito instável e sujeito a diversas intercorrências: pode ter hipotensão secundária ao trombolítico, necessitando de 1 via extra para reposição volêmica, apresentar deterioração hemodinâmica pela isquemia miocárdica importante e necessitar de via aérea definitiva ou mesmo parada cardiorrespiratória durante o processo.

7º passo: certifique-se que o material para realização de reanimação cardiorrespiratória - cardiodesfibrilador, carrinho de parada e bolsa valva-máscara com reservatório. Se o custo não for um problema sério, deixe as pás adesivas do cardiodesfibrilador já coladas ao tórax do paciente caso ocorra episódio de fibrilação ventricular ou taquicardia ventricular sem pulso. Do contrário, deixe as pás próximas ao doente e já com gel.

8º passo: realiza a anticoagulação sistêmica do doente, com heparina de baixo peso molecular (HBPM), heparina não fracionada ou foundaparinux.

- Enoxaparina ( HBPM): 30 mg EV em bolus, seguida de 1 mg/kg SC a cada 12 horas durante 8 dias ou até a alta hospitalar em pacientes com menos de 75 anos. Não administrar a dose EV em pacientes acima de 75 anos e manter enoxaparina 0,75 mg/kg SC a cada 12 horas. Utilizar 1 mg/kg ao dia com depuração de creatinina ≤ 30 mL/min

- Heparina Não-Fracionada: HNF 60 Ul/kg EV (ataque), máximo 4.000 UI, seguido por infusão contínua de 12 Ui/kg/hora, máximo de 1.000 Ul/hora, inicialmente. Manter por um período mínimo de 48 horas com ajustes na infusão para que o TTPa permaneça entre 1,5 e 2,5 vezes o controle

- Foundaparinux: 2,5 mg EV seguido de 2,5 mg SC uma vez ao dia durante 8 dias ou até a alta hospitalar

9º passo: veja qual fibrinolítico é disponível em seu serviço:

Há 3 no mercado e algumas com suas peculiaridades de aplicação:

- Estreptoquinase: 1,5 milhões UI em pó a serem diluídos 100 mL de SG 5% ou SF 0,9% em 30-60 minutos Observe hipotensão. Caso ocorra, suspenda a infusão por alguns minutos seguida de expansão volêmica com cristatólide. Não recomenda-se, apenas pelo risco de reação alérgica, o uso de corticóide 'profiláticos'.

- Alteplase: 15 mg EV em bolus, seguidos por 0,75 mg/kg em 30 minutos e, então, 0,50 mg/kg em 60 minutos A dose total não deve exceder 100 mg

- Tenectaplase: 
Bolo único de acordo com o peso:
- 30 mg se < 60 kg
- 35 mg se entre 60 kg e menor que 70 kg
- 40 mg se entre 70 kg e menor que 80 kg
- 45 mg se entre 80 kg e menor que 90 kg
- 50 mg se maior que 90 kg de peso

Em pacientes > 75 anos, deve-se considerar o uso de metade da dose calculada de acordo com o peso 

9º passo: peça vaga de UTI e comunique ao seu Hospital de referência em cardiologia da possibilidade de transferência de urgência para angioplastia de resgate em caso de falha do procedimento.

10º passo: após 90 minutos já se espera que o supra do ST tenha diminuído ao menos 50% do tamanho inicial, o paciente esteja sem dor e com sua hemodinâmica preservada.

Se o supra não diminuir 50% , a dor se mantiver ou o paciente entrar em instabilidade hemodinâmica ou elétrica com arritmias maligna deve-se partir para uma angioplastia de resgate.

* A abordagem farmacológica completa do IAM com supra não é o objetivo desse post. Para maior aprofundamento recomendamos a leitura da V Diretriz, disponível abaixo.

Leitura sugerida:

V Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento do Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST - Tópico: Fibrinolíticos. Disponível aqui

NICE - National Institute for Health and Care Excellence - Guidance on the use of drugs for early thrombolysis in the treatment of acute myocardial infarctation. Disponível aqui

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Exames de Imagem em Cardiologia - Cintilografia Miocárdica: entendendo melhor o método


Cintilografia de perfusão miocárdica (CPM) é um exame de tomografia computadorizada por emissão de foto único (SPECT) que, através  da infusão de um radiofármaco endovenoso e consequente emissão radiação ionizante (raios gama), fornece informações sobre perfusão, metabolismo e função ventricular.

O exame, de maneira mais completa utiliza duas fases, uma em repouso, onde o apenas injeta-se um rádiofármaco no doente e outra em stress onde, através de esforço físico ou estimulo farmacológico, consegue-se observar alterações da circulação coronariana através do aumento do fluxo sanguíneo miocárdico.

Ao solicitar ou interpretar este exame deve-se ter em mente 4 pontos-chave:
- qual a probabilidade pré-teste do meu paciente para patologia estudada ?
- qual razão da solicitação do teste: pesquisa de isquemia ? pesquisa de viabilidade ? pesquisa de inflamação do miocárdio ?
se há ou não necessidade da fase de stress – bem como a escolha de qual método utilizar
- qual radiofármaco deve ser utilizado

A partir delas você terá melhor capacidade de extrair a maior quantidade de informações possíveis do exame. 

A interpretação das imagens visa basicamente avaliar:
      -  alterações de perfusão ao stress e sua localização
      -  reversibilidade ao repouso


RADIOFÁRMACOS DISPONÍVEIS


     -  Tálio-201 ( TI-201):  entra no miócito através da bomba de Na/K ATPase e seu clearance da célula depende da atividade da célula ( reduzida em células isquêmicas). Portando, se o estudo evidenciar, na fase de stress, hipocaptação em algum segmento do ventrículo e essa captação se normalizar durante a fase de repouso ( que para o Tálio deve ser feita ou 3-4 horas ou em 24 horas) estamos diante de uma isquemia transitória e com miocárdio viável.

    -  Tecnécio-99 (TC-99):  Sestamibi ( nome do cátion lipofílico marcado com tecnécio mais utilizado): Entram passivamente no intracelular através de gradiente eletroquímico e se depositam nas mitocôndrias, comparado ao Tálio a redistribuição deste farmáco é mínima por isso são necessárias duas infusões do fármaco ( repouso e stress)

      -  Gálio (Gálio-67): confundido pelas células do corpo como semelhante ao ferro - é uma marcador de atividade e divisão celular, sendo portanto um marcador de atividade inflamatória. Comumente utilizado para pesquisa de miocardite ou na suspeita de rejeição em transplantados cardíacos.

Tálio x Tecnécio

Favorece Tálio:
1) Menor captação esplênica e intestinal ( favorece interpretação da parede inferior)
2) A captação do radiofármaco é maior em 1a passagem
3) Apresenta redistribuição do radiofármaco ( necessita apenas uma injeção para stress e repouso)

Favorece Tecnécio:
    1)  Mais energia com melhor qualidade nas imagens ( maior determinante do uso do tecnécio preferencialmente )
2)  Menor tempo de meia-vida permite o cálculo do GATED / imagem mais precisa de captação de primeira passagem

TIPOS DE STRESS

Fisiológico

Através do aumento da frequência cardíaca ( por esteira ou bicicleta) eleva-se a frequência cardíaca e consequentemente a demanda metabólico dos miócitos, elevando-se assim o fluxo coronariano através dos mecanismos de regulação de fluxo coronariano e  evidenciando isquemia em territórios com lesões coronarianas críticas    

            Contraindicações: incapacidade física de se exercitar, IAM < 4 dias, Estenose Aórtica Grave,  Doença Arterial periférica grave, IC descompensada, Doença Valvar sintomática descompensada, PA > 220 x 110, Pericardite aguda, Dissecção de Aorta


      Farmacológico (2 tipos):

1) Simpatomimético (Dobutamina): age através do aumento da contratilidade cardíaca e da frequência cardíaca estimulando receptores adrenérgicos – aumentando assim o consumo de oxigênio e aumento do fluxo sanguíneo para o miocárdio.

                  Contraindicações: IAM < 7 dias, Angina Instável, Estenose Aórtica grave, obstrução de via de saída do VE, arritmias atriais com resposta ventricular não controlada, história pessoal de TV, Dissecção de Aorta, HAS não controlada, uso de beta-bloqueador em que a resposta cronotrópico e inotrópica será atenuada.

2) Vasodilatadores ( adenosina,  dipiridamol e ragadenoson):
O uso de vasodilatadores baseia-se no princípio fisiológico de que os territórios coronarianos que já tem algum grau de obstrução (p.e. uma coronária com uma placa de >60% de obstrução luminal) já se encontram no 'máximo' de sua dilatação. Sendo assim, se eu realizar um estimulo vasodilatador coronário ( nesse caso através de fármacos ) as áreas com obstrução - já com dilatação máxima - não respondem e as áreas 'normais' ( sem obstrução coronária) respondem a esse estímulo aumentando seu calibre e 'roubando' para essa região o fluxo coronariano.Veja a ilustração:
Figura 1: representativa de roubo de fluxo coronariano "horizontal". A esquerda antes da infusão do vasodilator: note que o sistema arterial distal a lesão da LAD ( Artéria Descendente Anterior) encontra-se já vasodilatador ( sistema arteriolar - porção final da figura). A direita após infusão do vasodilator o sistema irrigado pela RCA ( Artéria Coronária Direita) também se vasodilatada e rouba fluxo do terriório da LAD - que por já estar previamente vasodilatado devido a lesão obstrutiva não consegue aumentar seu fluxo coronariano. Adaptado de Picano E. Stress Echocardiography 5th edition 

         Contraindicações: sibilância no momento do exame ( paciente asmáticos controlados podem fazer pré-tratamento com b2-agonista de curta duração - realizado em apenas alguns centros com retaguarda médica e de terapia intensiva), BAV 2o ou 3o graus, PAS < 90, uso de medicações contendo dipiridamol nas ultimas 48h, uso de metilxantinas nas ultimas 12 horas ( bloqueiam o efeito da adenosina) e hipersensibilidade prévia ao vasodilatador
          
Tabela 1: Resumo das principais drogas para stress farmacológico - fonte da EANM - Sociedade Européia de Medicina Nuclear e disponível aqui












Tabela 2: Subtipos de receptores de Adenosina e sua ação fisiológica. Fonte:  aqui.
Subtipos de receptores de Adenosina e sua ação fisiológica. Adaptado de http://www.dupharma.dk/?id=502&c=Adenosine-receptors-pharmacology-and-rapiscan.

RECOMENDAÇÕES PARA O STRESS


1) Preferir sempre que possível o stress fisiológico pois fornece outros dados prognósticos relevantes ( capacidade funcional, alterações eletrocardiográficas ao esforço, recuperação de frequência cardíaca).
2) O stress farmacológico apesar de aumentar a sensibilidade do exame (eleva o fluxo coronariano em 4-5 vezes o fluxo basal, enquanto o exercício fisíco eleva entre 2-2,5 vezes e meia, aumentando assim a capacidade de evidenciar heterogeneidade de perfusão coronariana)  e, portanto, a presença de um exame alterado nem sempre implica que essa diferença de captação signifique que haja de fato isquemia (desbalanço entre demanda e oferta de oxigênio, pois ,como o estudo não é fisiológico, não há aumento da demanda de oxigênio pelos miócitos, podendo concluir num resultado falso positivo - Cuidado na interpretação de um teste positivo com stress farmacológico em paciente com probabilidade pré-teste baixa do exame.
3) Em caso de bloqueio de ramo esquerdo preferir uso de stress com vasodilator para se diminuir o efeito da elevação da frequência cardíaca na captação septal
4) O uso da dobutamina fica restrito a pacientes com contra-indicações ao exercício físico e a vasodilatadores
5) Suspender ou não o uso do beta-bloqueador ?  O uso dos beta-bloqueadores / bloqueadores dos canais de cálcio e nitratos teoricamente diminuem a sensibilidade do exame e, em geral, sua suspensão é recomendada, principalmente em exames cujo stress é o exercício físico. No stress farmacológico, a literatura ainda é controversa e deve-se decidir individualmente ( exemplo: risco de arritmia ou descompensação de IC com suspensão do beta-bloqueador versus  exame falso negativo). Uma situação em que toda a medicação do paciente deve ser mantida é a avaliação da eficácia do tratamento em um paciente com doença arterial coronariana já estabelecida.

Tabela 3: Recomendação da suspensão de drogas e medicações de acordo com o tipo de stress. Fonte European Journal of Nuclear Medicine and Molecular Imaging Vol. 32, No. 7, July 2005 disponível aqui

CÁLCULO DA FRAÇÃO DE EJEÇÃO DO VENTRÍCULO ESQUERDO


Outra característica da cintilografia de perfusão miocárdica é o cálculo da fração de ejeção do ventrículo esquerdo através do método Gated - combina o eletrocardiograma do paciente com a aquição das imagens ventriculares permitindo ao examinador determinar o momento diastólico e sistólicos finais para o cálculo da FEVE. Vale ressaltar que a batida é criada através de uma média de aproximadamente 100 batidas com intervalo RR regular, garantindo a precisão do cálculo. Os valores de normalidade são acima de 50% para mulheres e 45% para homens. Comparativamente ao ecocardiograma é uma medida menos operador-dependente e com menos variabilidade interobservador. Importante ressaltar também que os valores de FEVE encontrados num ecocardiograma não são comparáveis ao da cintilografia ( p.e um paciente masculino com FEVE de 55% no ECO e 45% no Gated - isto não implica em perda de função ventricular)


INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

Teste de stress:

Tabela 4



Teste de viabilidade:

Tabela 5








CORRELAÇÃO ENTRE TERRITÓRIO CORONARIANO E SEGMENTO ALTERADO


Os 17 segmentos do VE com os respectivos territórios vasculares - retirado do guideline da
sociedade européia de medicina nuclear e disponível aqui


VIABILIDADE x ISQUEMIA: ENTENDO OS CONCEITOS 


Conforme descrito na tabela 5, logo acima, o termo isquemia é utilizado para determinar uma hipocaptação do radiofármaco em algum segmento miocárdico, sendo considerada 'transitória' se é somente ao stress ou 'fixa' se evidente tanto ao repouso quanto ao stress. A grande questão está nesse tecido com ‘isquemia fixa’, na tabela identificada como ‘infarto prévio’. Na maioria das vezes, de fato, esse tecido pode estar morto e representar área de fibrose. Contudo, em algumas situações, o miocárdio sofre de uma isquemia crônica que não leva a 'morte celular/geração de fibrose', mas também não permite que o tecido tenha um metabolismo normal. Nesse caso, a célula diminuiu o seu metabolismo ao mínimo possível para ainda preservar sua vitalidade a espera de que, um dia, a circulação retorne a essa região e ela possa voltar a funcionar normalmente. 

Essa área é chamada de miocárdio hibernante e suas células são viáveis, desde que voltem a receber nutrientes. A detecção desse tecido é importante, por exemplo, se estamos em dúvida se uma possível revascularização de coronária naquele território irá servir para retornar a função de contratilidade miocárdica ou não. 

Para tirarmos essa dúvida, necessitamos utilizar técnicas diferentes da utilizadas para pesquisa de isquemia, com o intuito de aumentar a sensibilidade do exame para detecção de miocárdio viável. Uma opção é a utilização do tálio em uma fase de repouso (4h após stress) e depois em uma segunda comparação em 24 horas. No primeiro momento, algumas horas após a administração desse fármaco, as células ‘hibernantes’, por seu metabolismo reduzido, podem não conseguir captar esse fármaco e, ao exame, aparecerá uma área hipocaptante. Contudo, em um segundo momento, quando observamos a imagem poderemos ver captação nesse local, denotando que o tecido esta vivo, mas está lento! Caso não haja captação na fase tardia podemos inferir, de fato, que o tecido não tem viabilidade. 

Outra opção é o exame com tecnécio em dois dias, no primeiro realiza-se a fase de stress e no segundo dia com reinjeção do fármaco avalia-se o repouso. Outro técnica muito utilizada é a administração de nitrato sublingual na fase de repouso com o intuito de aumentar a sensibilidade do exame para detecção de miocárdio viável ( por aumentar a perfusão em repouso). Por isso ao se deparar com uma cintilografia miocárdica preste atenção no protocolo utilizado e se há necessidade de algum outro tipo de aquisição de imagem para pesquisa de viabilidade (p.e dispensada em caso de perfusão ao stress sem alteração), como dito anteriormente a captação tardia implica em miócito vivo pois o miócito necessita estar funcionante para o Tálio ( bomba Na/K) e com as membranas celulares e mitocondrais intactas e gradiente eletroquímico preservado para o tecnécio.


"PEGADINHAS" 


1) Alterações de captação por artefatos:

- Mamas: hipocaptação fixa anterior, ântero-septal ou anterolateral

- Atenuação diafragmática: hipocaptação fixa inferior

- Tecido adiposo excessivo no tórax ( não das mamas): hipocaptação fixa lateral

- Movimento assincrônico do septo ( geralmente por BRE ou MP): hipocaptação fixa septal ( que pode piorar com o stress )

2) Cuidados com Indicações:
- Não pedir stress em SCA/dor torácica em paciente com dor recente (< 24-72h) ou na vigência de dor


Indicações clássicas do exame:

     1)   Investigação de equivalente isquêmico ( dispnéia, síncope, dor irradiada)
     2)   Investigação de angina estável
     3)   Investigação de dor torácica no pronto-socorro ( não fazer a fase stress se dor recente ou      vigente no momento do atendimento )
     4)   Possível SCA de baixo/médio risco ( MNM negativos / ECG não isquêmico / score de risco de SCA baixo – exemplo:  TIMI)
     5)   Investigação de DAC em pacientes de muito alto risco CV
     6)   Avaliação de significado funcional de lesão documentada por angiografia
     7)   Estratificação de risco CV antes de cirurgias não-cardíacas de médio ou alto risco em pacientes com 2 ou mais fatores de risco de Lee ( IRC com Creatinina > 2,0, IC, Doença isquêmica cardíaca, DM, AVE ou AIT)
     8)   Investigação de dor torácica crônica de média ou alta probabilidade
     9)   Após RM: após 5 anos ou após RM incompleta
    10)  Avaliação de viabilidade
    11)  Avaliação  de função ventricular

      Leitura sugerida


     I Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia Sobre Cardiologia Nuclear 2002. Disponível aqui


2013 ESC guidelines on the management of stable coronary artery disease. Disponível aqui

Pitfalls and Limitations of Radionuclide and Hybrid Cardiac Imaging. Travin, MI. Disponível aqui

Radiotraçadores – Sociedade Brasileira de Cardiologia. Disponível aqui

      Artifacts and Pitfalls in Myocardial Perfusion Imaging J Nucl Med Technol 2006; 34:193–211

   EANM/ESC procedural guidelines for myocardial perfusion imaging in nuclear cardiology. Disponível aqui

Guidelines da Sociedade Americana de Medicina Nuclear. Disponível aqui e também aqui

    Withholding or continuing beta-blocker treatment before dipyridamole myocardial perfusion imaging for the diagnosis of coronary artery disease? A randomized clinical trial. Disponível