segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Beta-bloqueador ou iECA/BRA: qual a primeira medicação a começar no tratamento da IC ?


No manejo ambulatorial de pacientes com o diagnóstico de IC com fração de ejeção reduzida ( FEVE < 40%) muitas vezes ficamos em dúvida sobre qual medicação com benefício comprovado em desfechos-duros devemos iniciar primeiro: beta-bloqueadores ou inibidores da enzima conversora de angiotensina ?

Tradicionalmente os beta-bloqueadores foram 'adicionados' aos inibidores de eca por um questão muito simples: os estudos que comprovaram o benefício de mortalidade com inibidores de eca aconteceram historicamente primeiro, sendo assim, nos estudos com beta-bloqueadores os pacientes já estavam em uso de ieca.

No entanto, no início dos anos 2000, muitos pesquisadores tiveram a dúvida sobre qual medicação deveria ser iniciada primeiro em um paciente com diagnóstico recente de IC com FEVE<40%, sintomático ou não, os beta-bloqueadores ou inibidores de ECA, cada medicação com seu benefício teórico:





Outra questão importante é que a primeira droga introduzida tem a maior probabilidade de se chegar na dose alvo ( 64% para a primeira droga versus 55% para a segunda)

Três estudos randomizados controlados foram elaborados para elucidar esta questão em pacientes com FEVE reduzida: CARMEN, CIBIS-3 e um estudo de Sul-Africano ( Silwa et al)
1) CARMEN: randomizou pacientes para 3 braços ( iECA primeiro x Beta-bloq primeiro x Combinação com titulação da dose do Beta-bloq primeiro).  Os desfechos de segurança e mortalidade foram iguais entre os grupos e o grupo que iniciou tratemento combinado ( Carvedilol e Enalapril) apresentou benefício em desfecho substituto ( melhora do volume sistólico final do VE). N=572

2) CIBIS-3: estudo de não inferioridade para introdução do beta-bloqueador inicialmente que randomizou pacientes para bisoprolol x enalapril inicialmente ( 6 meses) com introdução e titulação da primeira droga nos primeiros 6 meses e introdução/titulação da secunda droga após estes 6 meses até 2 anos.  O resultado do estudo foi inconclusivo ( não-inferior, não-superior ou inferior) pois o intervalo de confiança cruzou os limites pré-determinados para superioridade e inferioridade (na análise por protocolo). A conclusão deste estudo é que a terapêutica inicial com beta-bloqueador parece ser segura


Resultados do CIBIS-3. Note que a última linha ( análise por protocolo) cruza os limites pré definidos de superioridade e inferioridade ( HR < 1,0 e HR> 1,17 respectivamente).

3) Sliwa et al: randomizou 76 pacientes para carvedilol x perindopril primeiro com introdução do segunda droga após 6 meses. O grupo carvedilol primeiro apresentou melhora de classe funcional, FEVE e queda de BNP comparada ao grupo perindopril primeiro.

Diante destas evidências o uso inicial de beta-bloqueador ou ieca fica a gosto do freguês, sendo as duas opções plausíveis e respaldadas por literatura.

No entanto, como medicina é tão arte como ciência ( copio aqui trecho de editorial recente do Dr. Gilles Montalescot que acredito ser fundamental para a prática médica: "a ciência depende de data de estudos randomizados controlados e de estudos observacionais evidenciando incidência, fatores de risco, efeito em desfechos e tratamento ótimo para uma condição médica. A Arte depende na habilidade do profissional de sintetizar o conhecimento o médico e traduzi-lo numa estrátegia de manejo ótima para um paciente específico")  a opnião dos autores deste blog é de que o inibidor de eca deva ser iniciado primeiro e a introdução do beta-bloqueador em segundo momento.

1) Iniciar Enalapril 5 mg 12/12h associada com diurétido de alça se sinais de congestão
2) Titular dose do Enalapril em 1-2 semanas para 10mg 12/12h ( se pressão, função renal, potássio permitirem)
3) Introduzir Carvedilol 3,125 mg 2xd com titulação ( dobrar a dose) a cada 2 semanas conforme tolerância clínica
4) Após atingir a dose-alvo de Carvedilol, terminar a titulação dose de enalapril para a dose-alvo ( 20mg 12/12h)

Importante também ressaltar os seguintes cuidados/recomendações com a introdução do Beta-Bloqueador:

1) Não introduzir em pacientes internados com insuficiência cardíaca descompensada. Pode-se introduzir a medicação na mesma internação ( sem uso recente de inotrópicos positivos)
2) Peso diário após introdução do beta-bloqueador, muitas vezes o paciente necessitará de aumento da dose de diuréticos transitoriamente
3) ECG para o retorno após aumento da dose atentando para Bloqueio Atrio-Ventricular total ou BAV avançado ( Mobitz 2)
4) O benefício do beta-bloqueador não é efeito de classe: deve-se utilizar apenas Bisoprolol, Carvedilol ou Metoprolol
5) Deve-se tentar atingir a dose alvo das medicações ( aquelas que foram utilizadas em estudos) pois o benefício parece ser dose-dependente. No entanto,  se um paciente não tolerar a dose-alvo do beta-bloqueador o benefício parece ser mantido, desde que o grau de beta-bloqueio seja mantido ( isto é: frequência cardíaca) ( dados da subanálise do MERIT-HF)
Doses-alvo para medicações para IC. Guideline ESC para manejo de IC aguda e crônica 2012.


Leitura recomendada






sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Desafio de ECG 12 - Qual diagnóstico eletrocardiográfico ?


Paciente de 63 anos compareceu ao PS por queixa de dor torácica inespecífica. Foi avaliada pelo R1 de plantão que após avaliar o primeiro ECG (logo abaixo) foi discutir com o assistente.


Quando volta para reavaliar a doente, paciente passa a queixar de dor torácica de maior intensidade e, por isso, o ECG é repetido ( veja abaixo):


1) Qual achado do primeiro ECG ?
2) Qual achado do segundo ECG ?
3) Você acha que essa paciente pode estar tendo uma SCA ?
4) Independente de resultado de outros você já mandaria para hemodinâmica ?
5) Se essa paciente estivesse infartando, você conseguiria, sem nem ao menos ver o filme do CATE, dizer em que porção de qual coronária estaria essa obstrução ? Justifique baseado apenas nos achados eletrocardiográficos.

* Os comentários virão na semana seguinte acompanhadas de novo desafio.

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Desafio de ECG - Caso 11- Comentário - Veja o ECG clicando aqui

Resposta- Cardiomiopatia de Takotsubo

Nesse caso temos uma paciente de meia idade, dos sexo feminino, com quadro de dor precordal tipica 
desencadeada após discussão com o marido.Na entrada, o eletrocardiograma(ECG) apresentava supra de
ST da parede  inferior e Plus-Minos associado alteração de repolarização  na parede anterior(inversão de
onda T). Marcadores de necrose miocardia (Troponina e CKMB) positivos.

Qual conduta tomar ?

Sem dúvida tomaríamos conduta para Síndrome Coronariana Aguda (SCA) e mandaríamos  para a sala 
de hemodinâmica para realização do CATE com possível intervenção.

Qual foi  o resultado do CATE nesse caso?

Pra surpresa do residente que esperava uma DA tipo IV ocluída,o resultado foi  Coronárias sem lesão 

obstrutivas com a seguinte  ventriculografia:


Veja o detalhe na foto no momento da sístole ventricular, observamos acinesia apical bem evidente 




Fechamos nesse momento o diagnóstico de cardiomiopatia de Takotsubo. Mas que doença é essa?
O que não posso deixar de saber sobre ela? 

História 

A cardiomiopatia deTakosubo foi descrita pela primeira vez em 1990, no Japão, e ganhou esse nome pelo aspecto da ventriculografia que lembrava uma rede de pescar polvos de uso comum no Japão. Outras denominações para doença são: Síndrome do Coração Partido, Cardiomiopatia de Estresse e Síndrome do Balonamento Apical Transitório do Ventrículo Esquerdo


Definição
Disfunção sistólica e diastólica transitória do ventrículo esquerdo  com uma variedade de anormalidades da parede segmentar do VE.


Patogênese
Ainda desconhecida. Já se aventou hipótese de miocardite, espasmo coronariano e disfunção mediada por catecolaminas, mas sem uma definição clara de mecanismo. Mais recentemente, visto a associação com doenças psiquiatras e neurológicas, acredita-se em um componente de disfunção do sistema nervoso periférico que inerva as coronárias causando doença da microcirculação.
  
Qual perfil dos pacientes ?
Mulher (até 98% das pacientes) de meia idade, com quadro precedido por algum "TRIGER" psicológico ou físico. Quase 60% dos pacientes tem transtornos neurológico ou Psiquiátrico .


Quando suspeitar?
Diagnóstico diferencial de SCA. O paciente se apresenta com dor torácica típica, alteração eletrocardiográfica e marcadores de necrose do miocárdio. No CATE, observação de coronárias sem lesões obstrutivas e com acinesia segmentar da parede apical.


Somente a parede apical é acometida?
Não, em um excelente revisão do New England publicada esse ano sobre o tema eles ilustraram bem o acometimento segmentar e sua frequência. A mais comum é a apical com 81% dos casos, mas outras paredes também podem ser acometidas.


E o prognóstico?
Antes a doença era vista como uma condição benigna e sem maiores consequências .Hoje sabemos que os pacientes estão sujeito a complicações tanto na internação quanto a longo prazo. A taxa de complicações severa intra-hospitalares  como choque ou morte foi similar aos pacientes com SCA. 

Dentre os fatores associados a pior prognóstico  estão: gatilho por  estresse físico, doença neurológica aguda  ou psiquiátrica, aumento importante da troponina e baixa fração de ejeção na admissão.

Em longo prazo, a chance de evento cardíaco e cerebrovascular adverso é 9,9% por paciente/ano e a taxa de morte chega a 5,6% paciente/ano.

Tabela que ilustras esses dados retirada da última revisão do New England publicada esse ano

Tratamento
Tratamento da fase inicial é suporte. Lembre-se da importância de realizar um  ecocardiograma para avaliar o gradiente da via de saída de VE. Isso se justifica pelo fato de a acinesia apical poder causar uma obstrução parcial da via de saída de VE, e a depender do gradiente formado, o manejo do paciente pode mudar. Nesses casos, deve-se evitar depleção de volume intravascular e o uso de vasodilatadores, que podem piorar débito cardíaco. Beta-bloqueadores são uma opção para aumentar diástole e, assim, melhorar o enchimento ventricular e débito cardíaco.

Em longo prazo, os inibidores da ECA ou bloqueadores AT1 se mostraram benéficos na redução de desfecho, sobretudo nos pacientes que evoluem com disfunção ventricular. Os beta-bloqueadores, por  outro,lado não se mostraram positivos na diminuição de desfecho.

Leitura Sugerida:

C. Templin, J.R. Ghadri, J. Diekmann, L.C. Napp, D.R.Clinical Features and Outcomes of Takotsubo (Stress) Cardiomyopathy.n engl j med 373;10 nejm.org September 3, 2015

Kevin A. Bybee, MD; Tomas Kara, MD, PhD; Abhiram Prasad, MDSystematic Review: Transient Left Ventricular Apical Ballooning:A Syndrome That Mimics ST-Segment Elevation Myocardial Infarction Ann Intern Med. 2004;141:858-865.