quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Manobra vagal - como eu faço ? Abordagem do REVERT trial


Aproveitando o desafio do ECG caso 4 -visualizado aqui- que abordou uma taquicardia com QRS estreito, RR regular e sem p visível, iremos falar um pouco sobre o tratamento não medicamentoso dessa condição.

Realizar manobra vagal é o próximo passo para identificação da taquiarritmia ou término desta ( se for uma taquiarritmia que passe pelo nó AV: TRN/TAV ). Muito provavelmente a maioria dos nossos leitores já vivenciaram algum caso deste em pronto-socorro e com, certa frequência, até tentou-se a realização de manobra vagal - geralmente com insucesso. Este insucesso advém tanto do fato de muitos médicos não acreditarem na eficácia da manobra, como da falta de treinamento para sua adequada execução. Uma metanálise publicada este ano na Cochrane ( disponível aqui) que incluiu 3 estudos chegou em taxas de sucesso entre 20-50%!

Para realização de manobra vagal em um pronto-socorro temos duas opções:

1) MASSAGEM DO SEIO CAROTÍDEO

Pouco realizada em pronto-socorro devido ao risco de AVE por doença arterial carotídea. Guidelines da AHA/ACC (aqui) contra-indicam massagem em paciente com AVE/AIT recente ou doença carotídea ipsilateral / sopro audível - embora apenas no guideline de 2015 ( ainda in press) recomende a asculta das carótidas para exclusão de sopro carotídeo antes da realização da massagem. Considera-se uma estratégia razoável que a manobra não seja realizada em pacientes de alto risco ( idade > 65 anos, OAC, DAC) a menos que tenham USG doppler de carótidas normais, nem em pacientes com IAM recente ( <6 meses). Passos para realização da manobra:
- Paciente na posição supina com leve extensão da cabeça para facilitar palpação do pulso ao nível do seio carotídeo ( próximo ao ângulo da mandíbula / ao nível da cartilagem tireóide)
- Monitorização contínua da pressão arterial e ritmo cardíaco ( eletrocardiograma 12 derivações idealmente )
- Pressão contínua por 5-10 segundos ( mais reprodutível que a massagem circular )
- Tentar contralateralmente em caso de insucesso ( não há lado preferencial para se iniciar a massagem - estudos ancilares sugerem que a estimulação do seio direito afetaria principalmente o nó sinoatrial  e o estímulo das fibras do seio carotídeo esquerdo o nó atrioventricular - porém isto não se confirmou em outros estudos) (disponível aqui)
- NÃO é para se fazer a manobra bilateralmente de maneira simultânea.

2) MANOBRA DE VALSAVA

A manobra mais utilizada em pronto-socorro, tanto pela sua segurança - sem relato de evento adverso diretamente relacionado ao procedimento em meta-análise recente- quanto pela maior taxa de sucesso quando comparada a compressão do seio carotídeo ( 20% vs 10% aproximadamente na primeira tentativa)

 Qual o princípio da manobra de valsalva ?

Ao se realizar uma expiração forçada contra a glote fechada uma série de alterações hemodinâmicas ocorrem de maneira cíclica - mediadas principalmente pelo baroreflexo alternando inervações simpáticas e parasimpáticas no coração. Ao se manter um período de expiração forçada contra uma glote fechada aumenta-se a pressão intratorácica e intraabdominal, diminuindo o retorno venoso e a pressão arterial sistêmica. Ao término da expiração, aumenta-se abruptamente o retorno venoso causando um aumento súbito da pressão arterial, este aumento rápido da pressão arterial por sua vez gera, pelo barorreflexo bradicardia. A manobra de valsalva tradicional é composta de 4 fases: 1) inspiração rápida seguida de expiração forçada com um período de bradicardia variável pelo aumento da pressão arterial; 2) fase de manutenção da expiração forçada com taquicardia causada pela queda progressiva da pressão arterial sistêmica; 3) término da expiração atingindo o pico máximo de FC e uma queda súbito da pressão arterial (Dip); 4) reversão da taquicardia mediada pela expiração forçada e aparecimento de bradicardia secundária ao overshoot da pressão arterial em fase 3. Importante ressaltar que para o término da taquiarritmia o mais importante é o input parassimpático em fase 4 ( que causa a bradicardia)
Comportamento da pressão arterial, FC ( pelo intervalo RR na segunda figura - quando menor o intervalo RR maior a FC) durante a manobra de valsalva.
- Tradicional: com o paciente em decúbito dorsal a 45 graus pede-se ao paciente que após uma inspiração normal realize uma expiração forçada contra o dorso da mão com o nariz fechado por 15 segundos, respirando normalmente após este período. Idealmente deve-se medir a pressão intraoral com um manômetro afim de atingir a pressão constante de 40 mm Hg ( aproxidamente a pressão necessária para mover o êmbolo de uma seringa de 10 mL)

- Manobra de Valsalva Modificada: recentemente em um estudo publicado no LANCET (REVERT Trial) pesquisadores testaram a hipótese de que a elevação passiva dos membros após o término da fase de expiração forçada aumentaria a eficácia da manobra devido ao aumento do retorno venoso em fase IV. A hipótese foi testada em um estudo randomizado e controlado em pacientes que chegavam ao pronto-socorro com TSV estável. Os paciente eram randomizados para ou a manobra de valsalva tradicional ou a modificada. Na manobra de valsalva modificada após o término da fase expiratória os pacientes tinham seus membros inferiores elevados a 45 graus por 15 segundos ( conforme vídeo abaixo). A manobra pode ser repetida se não houver sucesso na primeira tentativa


Os resultados foram animadores: com a manobra de Valsalva modificada 43% dos pacientes retornaram para ritmo sinusal, contra apenas 17% dos pacientes com a manobra de Valsalva "tradicional". Evitando-se assim o uso de adenosina em muitos pacientes. Ressalta-se que o uso da adenosina possui uma série de efeitos adversos como bloqueio AV, flushing, dor torácica, hipotensão, dispnéia, pode desencadear fibrilação atrial, roubo de fluxo coronário, além de sensação de morte imintente e medo que podem ser desagradáveis 
Resultados do Revert Trial. Note que houve significância estatístisca favorecendo a manobra de valsalva modificada para retorno do ritmo para sinusal, uso de adenosina e uso de medicação anti-arrítimica de emergência. 


Contra-indicações as manobras de valsalva: Estenose Aórtica importante, IAM recente ( <4 semanas), glaucoma e retinopatia.

Leitura recomendada:


1- Teaching cardiac autonomic function dynamics employing the Valsalva (Valsalva-Weber) maneuve

2- 2015 ACC/AHA/HRS Guideline for the Management of Adult Patients With Supraventricular Tachycardia: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26409259

3- Postural modification to the standard Valsalva manoeuvre for emergency treatment of supraventriculartachycardias (REVERT): a randomised controlled trial


4- Vagal techniques for termination of paroxysmal supraventricular tachycardia.



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