Seu João, 60 anos, chega em seu consultório com diagnóstico recente de diabetes mellitus (DM) tipo II. Apresenta uma glicemia de jejum de 220 mg/dl e hemoglobina glicada (HbA1C) de 8,5.
Muito chateado com o diagnóstico da doença e já pensando no possível tratamento, ele lhe faz a seguinte pergunta:
''Doutor, se eu controlar a minha diabetes com rigor tenho menor chance de morrer de ¨infarte¨?!''
Muito chateado com o diagnóstico da doença e já pensando no possível tratamento, ele lhe faz a seguinte pergunta:
''Doutor, se eu controlar a minha diabetes com rigor tenho menor chance de morrer de ¨infarte¨?!''
Para responder a Sr João, devemos lembrar que o paciente diabético pode cursar com complicações macrovasculares e microvasculares. Nas primeiras, destacam-se o acidente vascular encefálico (AVE) e a doença arterial coronariana (DAC), tendo como seu especto de apresentação mais grave o infarto agudo do miocárdio (IAM). Nas segundas, ganham importância a doença renal crônica (DRC), a retinopatia e a neuropatia diabética.
Já está bem estabelecido que o controle glicêmico agressivo comparado com o padrão - ''Standard'' - reduz as complicações microvasculares.
Em artigo do New England Journal of Medicine (NEJM), publicado em 1993, (acesse aqui ), os autores demonstraram que o controle intensivo de glicemia através de aplicações de insulina 3 ou mais vezes ao dia e guiado de acordo com a glicemia capilar foi superior ao tratamento padrão (2 aplicações ao dia) em paciente com DM insulino-dependente, tanto na prevenção primária quanto na secundária de complicações microvasculares da DM.
Em artigo do New England Journal of Medicine (NEJM), publicado em 1993, (acesse aqui ), os autores demonstraram que o controle intensivo de glicemia através de aplicações de insulina 3 ou mais vezes ao dia e guiado de acordo com a glicemia capilar foi superior ao tratamento padrão (2 aplicações ao dia) em paciente com DM insulino-dependente, tanto na prevenção primária quanto na secundária de complicações microvasculares da DM.
Contudo, em relação as complicações macrovasculares a relação entre controle 'intensivo x standard' não é tão cristalina. Os principais trabalhos da década de 80/90 não conseguiram demonstrar redução significativa de eventos macrovasculares, como o IAM.
Então, para entrar mais a fundo nessa seara vamos no reportar a uma metanálise publicada em 2009 no LANCET com os principais estudos que compararam o controle glicêmico mais agressivo x padrão.
Dos 5 Trials escolhidos para o estudo, podemos observar que UKPDS pegou pacientes com diagnóstico mais precoce de diabetes (até 1 ano) e os demais estudos, pacientes com diagnóstico mais tardio (> 8-10 anos).
A diferença entre os tratamentos (standard x intensivo) variava de acordo com o estudo e a diferença média de controle glicêmico entre ambos os grupos (standard x intensivo) foi de 0,9 % na Hb glicada. As piores Hb glicadas de base foram do ACCORD e VADT com média de 8,3% e 9,4%, respectivamente.
A diferença entre os tratamentos (standard x intensivo) variava de acordo com o estudo e a diferença média de controle glicêmico entre ambos os grupos (standard x intensivo) foi de 0,9 % na Hb glicada. As piores Hb glicadas de base foram do ACCORD e VADT com média de 8,3% e 9,4%, respectivamente.
Uma menção especial ao ACCORD. Nesse estudo o controle glicêmico do grupo intensivo foi o mais rigoroso com objetivo de reduzir 1,5% da Hb glicada em 6 meses e deixa-la < 6% em 1 ano. Foi utilizado até insulina bolus para atingir esse controle.
E qual resultado? O controle intensivo da glicemia reduz o risco cardiovascular?
Sim. Observamos que o diamante maior está a esquerda da linha, demostrando que o controle glicêmico intensivo para IAM não fatal e DAC (incluindo morte cardiovascular) é protetor, reduzindo em 17% e 15% o desfecho. Vale lembrar que isso ocorreu as custas de mais hipoglicemias e ganho de peso (média 2 kg).
E quando a mortalidade geral e AVC?
Nesse caso, não se demonstrou efeito protetor. Inclusive, no ACCORD, observou-se até um aumento na mortalidade geral. Esse fato talvez relacionado ao controle mais agressivo e rápido da glicemia (mais hipoglicemia) em pacientes com DM diagnosticada há mais tempo e com Hb glicada de base mais alta.
Pra resumir...
O controle glicêmico intensivo:
O controle glicêmico intensivo:
- Reduz IAM não fatal e evento relacionado a DAC.
- Aumenta o ganho de peso e a incidência de hipoglicemias.
- Não modifica a mortalidade geral e AVC.
E quais recomendações devo seguir?
Em vista desses resultados algumas condições clínicas devem ser lembradas na hora de controlar a glicemia do seu paciente com DM tipo II. Essa ilustração da ADA publicada em 2014 mostra as principais condições clinicas que devem ser levadas em conta. O paciente com diagnóstico recente, alta expectativa de vida, sem muitas comorbidades, sem complicações vasculares estabelecidas e baixo risco de hipoglicemia em tese seria o paciente ideal e que mais se beneficiaria do controle glicêmico mais rígido.
As recomendações formais de controle glicêmico podem ser resumidas na tabela abaixo:
Pra finalizar...
Algo importante que deve ser considerado nessa discussão de tratamento da DM e risco cardiovascular é a visão "glucocêntrica" do tratamento. Sabemos hoje que a formação da placa de aterosclerose e sua posterior erosão causando IAM vai muito além da hiperglicemia e da formação dos AGEs (produto final da glicação avançada). As outras vias clássicas de formação da placa de aterosclerose em pacientes não diabéticos também estão amplificadas nos pacientes com DM como a inflamação, a lesão endotelial e a ativação simpática. Futuros tratamentos que tratem a doença, em sua patogênese mais ampla, surgem como uma boa perspectiva ao tratamento padrão de controle da glicemia na redução de risco cardiovascular.
Um estudo que vale a pena ser citado nesse contexto é o EMPAREG, publicado no NEJM em 2015. Ele mostrou redução de mortalidade geral e cardiovascular com uso da empaglifozina nos pacientes com DM e alto risco cardiovascular em um seguimento de 3 anos. O mais interessante é a diferença média final de HB glicada entre os dois grupo que pode ser vista na tabela abaixo:
A diferença foi menor que 0,4 na Hb glicada, sugerindo hipótese de que a redução de evento cardiovascular vai muito além do controle glicêmico. Lembre-se, a diabetes é muito mais do que apenas 'baixar a glicemia'. Nesse caso específico, ainda permanece obscura em que via clássica da formação da placa de aterosclerose e instabilidade da mesma essa droga atuou. Importante observar que esta redução de mortalidade não foi observada com drogas de ação semelhante a empaglifozina (inibidor da SGLT2 cujo mecanismo aumenta excreção de glicose pela urina).
Leitura sugerida:
Effects of Intensive Glucose Lowering in Type 2 Diabetes. The Action to Control Cardiovascular Risk in Diabetes Study Group*N Engl J Med 2008;358:2545-59. Disponível aqui
Kausik K Ray, Sreenivasa Rao et al.Eff ect of intensive control of glucose on cardiovascular
outcomes and death in patients with diabetes mellitus:
a meta-analysis of randomised controlled trials Lancet 2009; 373: 1765–72
Bernard Zinman, M.D., Christoph Wanner, M.D., John M. Lachin, Sc.D., Empagliflozin, Cardiovascular Outcomes,
and Mortality in Type 2 Diabetes. N Engl J Med 2015;373:2117-28.
Standards of medical care in Diabetes-2014. By the American Diabetes Association. Disponível aqui.
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