quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

CATE Completo: o que é isso e como ele pode te ajudar na avaliação de doenças valvares cardíacas !

No seguimento do paciente com valvopatia importante eventualmente nos deparamos com situações onde ocorre certa discrepância entre achados clínicos x ecocardiográficos.

Dai surge a dúvida: afinal,  essa doença valvar é ou não é anatomicamente importante ?

Nessa situação, a utilização da cateterização de câmaras cardíacas para aferição de valores de pressóricos, medidas de gradientes entre as câmaras e injeção de constrastes para realização de 'grafias' podem auxiliar no diagnóstico e quantificação de gravidade da doença.

O procedimento é denominado CATE completo, em que se é feito CATE Direito + Esquerdo com cineangiocoronariografia + Ventrículo e Aortografia

São aferidas as pressões em Átrio Direito (AD), Ventrículo Direito (VD), Artéria Pulmonar (PAP), Pressão Capilar Pulmonar ou Pressão de Oclusão da Artéria Pulmonar (PCP ou PAOP), Ventrículo Esquerdo (VE) e Aorta (Ao). Esses valores podem ser obtidos em período de sístole (S) e diástole inicial (D1) ou final (D2).

Além da aferição pressórica, a ventriculografia nos dará noção de competência valvar mitral (excelente para detecção de insuficiência mitral) e de alteração de mobilidade da parede ventricular (podendo apontar para alterações difusas ou segmentares de mobilidade). A Aortografia mostrará se há competência valvar aórtica.

Por fim, quando indicado – seja em investigação de etiologia de dor torácica ou como exame de rotina de pré-operatória valvar – realiza-se a cineangiocoronariografia.

Contudo, carecem de fontes onde se possa realizar uma leitura direcionada para a interpretação das medidas pressóricas realizadas nesse exame e o avaliador, ao deparar-se com o laudo fornecido, pode encontrar alguma dificuldade em extrair dele informações essenciais.

Sendo assim, o objetivo desse post é fornecer alguma padronização para uma análise dos resultados do exame.

A pressão de artéria pulmonar média (PAPm) é considera normal até 20 mmHg e o valor para que seja caracterizada hipertensão pulmonar (HP) fica em torno de 25 mmHg, por convenção.

A pressão do capilar pulmonar (PCP) reflete a pressão em átrio esquerdo e é normal entre 12-15 mmHg.

O valor de PAPm subtraído do valor da PCP é denominado de Gradiente Transpulmonar (GTP).


1º passo: observe qual valor PCP

Se for menor que 15 mmHg, não há aumento de pressões cardíacas esquerdas justificando quadro de dispnéia, uma vez que a pressão de enchimento cardíaco do lado esquerdo está normal.

Se esta for maior que 15 mmHg, deve haver alguma alteração em câmara esquerda (podendo ser valvopatia mitral, aórtica ou mesmo disfunção ventricular) justificando o aumento de pressões ventriculares esquerdas.

2º passo: veja qual o valor da PAPm – Avaliação de Hipertensão Pulmonar e diferenciar padrão pré e pós-capilar

Se for maior que 25 mmHg: está feito diagnóstico de hipertensão pulmonar. Em alguns locais você irá encontrar o termo TP – Tensão Pulmonar, como equivalente a PAP.

Uma vez feito esse diagnóstico é importante que você diferencie se a causa é primária do território de artéria pulmonar, se ela é apenas um reflexo de um aumento das pressões em câmaras esquerdas ( HP secundária a cardiopatia) ou se há acometimento misto.

Para isso, realize a medida do GTP. Valores menores de 12 de GTP em geral apontam para aumento de PAPm secundário ao aumento de capilar pulmonar, ou seja, a PAPm aumentada é só um reflexo do aumento de pressões esquerdas.

Valores maiores de 12 apontam para que exista causa de território pulmonar para HP, podendo estar ou não associada a causa cardíaca, a depender do valor da PCP.

Vamos a alguns exemplos:

CASO 1

Mulher 36 anos portadora de esquistossomose e em investigação de hipertensão pulmonar avaliada de maneira não invasiva por ecocardiograma:

PCP 12 mmHg
PAP 42 mmHg
GTP (PAPm – CP):  30 mmHg

Nessa paciente temos uma PCP normal com PAPm aumentada e um GTP aumentado.

Conclusão:
Hipertensão Pulmonar de padrão pré-capilar.

CASO 2

Homem de 25 anos com história de febre reumática com sopro diastólico em ruflar + estalido de abertura mitral.

PCP 25 mmHg
PAPm 34 mmHg
GTP ( PAPm – PCP): 9 mmHg

Nesse doente temos uma PCP aumentada (‘causa cardíaca para dispnéia’) e o aumento da PAPm deve-se apenas a transmissão do aumento da pressão em câmaras esquerdas, uma vez que o GTP é menor que 12 mmHg.

Conclusão:
Hipertensão Pulmonar de padrão pós-capilar.

CASO 3

Mulher de 34 anos com quadro de estenose mitral de longa data aguardando data para cirurgia.

PCP: 25 mmHg
PAPm: 42 mmHg
GTP (PAPm-PCP): 17 mmHg

Veja que há aumento de CP, demonstrando que há ‘causa cardíaca’ para dispneia, mas uma PAPm de 47 com GTP maior que 12. Nessa situação temos de ficar atentos a duas possibilidades – doença de circulação pulmonar - p.e. se essa paciente tiver feito um TEP com hipertensão pulmonar residual - e a possibilidade de remodelamento da vasculatura pulmonar secundária ao aumento crônico de suas pressões pela doença cardíaca. Portanto, meio que um componente misto de hipertensão pulmonar.

3º passo: Verifique qual a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo (PD2 do VE) e compare-a com a CP.

Em situação normal, elas devem ser muito próximas uma da outra pois na fase diastólica final, o ventrículo deve encontrar-se totalmente preenchido e não deve haver gradiente pressórico entre o AE e VE no final da diástole.

Qualquer diferença entre ambas deve ser considerado um gradiente AE-VE, sugestivo, portanto de alguma diminuição de área valvar mitral compatível com quadro de estenose dessa válvula, que pode ser graduada em leve, moderada ou grave, quando < 5, entre 5-10 ou > 10 mmHg, respectivamente.

4º passo: Verifique a pressão sistólica do ventrículo esquerdo (PSVE) e a pressão sistólica e diastólica em aorta (PSAo e PDAo)

Nesse momento, veja se há formação de algum gradiente entre a PSVE e a PSAo. A presença de diferenças pressóricas irão apontar para presença de algum grau de estenose aórtica, de maneira semelhante com que exemplificamos no passo 3 em relação a valva mitral.

A comparação entre as diferenças PSAo e PDAo irá apontar para possibilidade de presença de quadro de insuficiência aórtica quando houver maior divergência. Para melhor avaliação da competência valvar aórtica se faz necessário a avaliação da curva pressórica aórtica e da aortografia, onde-se observa de maneira clara a presença ou não de jato regurgitante pela válvula.

De maneira geral – os gradientes pressóricos entre as câmaras auxiliam na quantificação das estenoses valvares enquanto que a curva pressórica e as ‘grafias’ (ventriculografia e aortografia) auxiliam para demonstrar a incompetência.

5º passo: observe o cálculo do débito cardíaco, fornecido em Litros/min e a Resistência Vascular Pulmonar, habitualmente fornecida em Woods.

Vamos aplicar agora o que foi falado em um caso mais completo:

CASO 4

Paciente sexo feminino 45 anos avaliação de insuficiência mitral com dúvida em relação a sua importância por discordância clínica x ecocardiográcica.

PCP: 25 mmHg
PAPm: 36 mmHg
GTP: 11 mmHg
VE: Sístole: 130 D1: 0 D2: 22 mmHg
Ao: Sístole: 120 D1 70 M (média): 87 mmHg

Paciente tem uma PCP alta de 25 mmHg. Portanto, primeira conclusão é que deve haver problemas em câmaras esquerdas, mas ainda não sabemos – pode ser valvopatia mitral, aórtica ou até mesmo disfunção ventricular de outras etiologias.

Avaliando a PAPm vemos que está aumentada, mas com GTP menor que 12, ou seja, esse aumento é apenas secundário aos valores pressóricos aumentados em câmaras esquerdas. Portanto, um quadro de Hipertensão Pulmonar Pós-Capilar.

Avaliando a PD2VE temos um valor de 22 em relação a CP de 25, ou seja, há um gradiente pressórico entre ambas as cavidades sugerindo uma grau leve de estenose mitral, muito dificilmente sendo responsável por tamanho aumento em CP.

Em seguida, observamos apenas discreto gradiente sistólico entre VE-AO (130-120) de 10 mmHg, apontando para apenas uma discreta estenose aórtica. Da mesma forma, não há divergência da PAo sistólica (120) e diastólica (70) e a aortografia não mostra refluxo da aorta para o VE, excluindo IAo como causa da lesão.

Finalizando o exame, é feita a ventriculografia que se observa abaixo ( veja a seta localizando a área de refluxo mitral ):










Observe o refluxo que ocorre pela valva mitral. Portanto, a insuficiência mitral importante é a razão para a sintomatologia do paciente.

Conclusão:

O cateterismo com aferição de pressões e gradientes intra-cavitários é um excelente método diagnóstico complementar. Contudo, sua correta interpretação irá depender de todo um conjunto de variáveis clínicas que incluem uma boa coleta de história, cuidadoso exame físico e, principalmente, bom senso!

Leitura sugerida:

Tarasoutchi F, Montera MW, Grinberg M, Barbosa MR, Piñeiro DJ, Sánchez CRM, Barbosa MM, Barbosa GV et al. Diretriz Brasileira de Valvopatias - SBC 2011 / I Diretriz Interamericana de Valvopatias - SIAC 2011. Arq Bras Cardiol 2011; 97(5 supl. 1): 1-67. Disponível aqui.

HOETTE, Susana; JARDIM, Carlos  and  SOUZA, Rogério de. Diagnóstico e tratamento da hipertensão pulmonar: uma atualização. J. bras. pneumol. [online]. 2010, vol.36, n.6 [cited  2016-01-28], pp. 795-811. Disponível aqui

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