quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Pericardite aguda - Interface com a Reumatologia

*Por Felipe Mendonça de Santana
                
Uma pergunta frequentemente realizada por clínicos e cardiologistas, quando diante de um paciente com pericardite aguda, é se existe uma doença sistêmica subjacente responsável pelo quadro, o que pode acarretar decisões terapêuticas e prognósticos diversos.

Em artigo recentemente publicado no JAMA, demonstra-se que 80 a 90% das pericardites são caracterizadas como idiopáticas/virais, enquanto as doenças inflamatórias sistêmicas são quantificadas junto com as síndromes pós-lesão pericárdica (p.ex pós-pericardiotomia), correspondendo a  3-7% dos casos.   
                
Dentre as doenças inflamatórias sistêmicas, destacam-se dois grandes grupos de doenças reumatológicas: as doenças do tecido conjuntivo (“colagenoses”) e as vasculites sistêmicas.

Das doenças do tecido conjuntivo, a mais comumente associada à pericardite aguda é o lúpus eritematoso sistêmico (LES). Pensando nessa hipótese etiológica, uma coisa deve sempre vir em mente: dificilmente um LES abre um quadro como uma pericardite aguda isolada.

Nos pacientes lúpicos que vêm a desenvolver pericardite aguda, esta costuma, de fato, estar presente desde o flare inicial, porém raramente é a manifestação dominante. Sendo assim, em um paciente assintomático dos demais sistemas (pele, articulações, SNC etc), sem história reumatológica prévia, sem “penias” no hemograma e com função renal estável, dificilmente terá como etiologia de sua pericardite um LES.

As outras duas doenças do tecido conjuntivo associadas à pericardite aguda são a esclerose sistêmica (ES) e a artrite reumatoide (AR), porém em ambas a pericardite é considerada uma manifestação incomum.

Quanto à pericardite aguda recorrente, não raro são encaminhados ao reumatologista para investigação de “colagenose”. Se ausente manifestações dos demais sistemas, a pesquisa de auto-anticorpos (o famoso “reumatograma”) pode atrapalhar mais do que ajudar. Um estudo interessante, publicado em 2007, decidiu seguir pacientes com pericardite aguda recorrente, a maioria com etiologia idiopática, porém alguns com etiologias diversas incluindo colagenoses, avaliando a positividade do FAN no baseline. Resumindo o estudo, FAN estava presente em até 40% dos pacientes com pericardite idiopática, geralmente em baixos títulos, e a sua positividade no início do estudo não ajudou a diferenciar dentre os poucos que abriram uma colagenose ao longo do acompanhamento.  Ou seja, FAN positivo em pacientes com pericardite recorrente não significa doença reumatológica.

Das vasculites sistêmicas, a que mais está associada à pericardite aguda é a granulomatose eosinofílica com poliangiíte (GEPA, antiga Síndrome de Churg-Strauss). Apenas a título de recordação, o quadro é constituído por manifestações de vias aéreas superiores, pneumonite com infiltrados migratórios, eosinofilia,  mononeurite múltipla e manifestações cardiovasculares. Quinze a trinta por cento das GEPAs desenvolvem pericardite. Lembramos que, apesar da GEPA ser considerada uma vasculite ANCA-associada (geralmente p-ANCA), os pacientes com manifestações cardiovasculares, incluindo a pericardite, são mais frequentemente ANCA negativos. Ou seja, em pacientes com pericardite aguda, com outras manifestações sistêmicas e de demais órgãos compatíveis, a negatividade do ANCA não exclui o diagnóstico de GEPA.

Outras vasculites sistêmicas associadas, em menor intensidade, à pericardite aguda são a doença de Behçet (úlceras orais, úlceras genitais, uveíte, manifestações cutâneas) e a poliarterite nodosa (sintomas sistêmicos, artrite/artralgia, neuropatia periférica, manifestações cutâneas, nefropatia vascular com múltiplos aneurismas).

Em resumo, as doenças reumatológicas constituem causa infrequente de pericardite aguda, porém esta é uma manifestação comum de colagenoses e algumas vasculites. A identificação da doença sistêmica é de suma importância, pois o tratamento vai diferir das pericardites idiopáticas/virais (AINEs com ou sem colchicina). Na reumatologia, geralmente o uso de corticosteroide (em diversos esquemas,  que vão desde prednisona oral em dose moderada à pulsoterapia endovenosa), com imunossupressores, orais ou endovenosos, compõem o esquema terapêutico. 

 * Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Pernambuco. Médico com residência em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Atualmente é residente em Reumatologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Currículo Lattes.

Leitura sugerida:

1) COGHLAN  J. G, SCHREIBER  B, D’CRUZ  D. P. The heart in rheumatic disease. In: HOCHBERG M. C. Rheumatology. Sexta edição. Philadelphia: ELSEVIER, 2015. p. 267-272

2) Imazio M, Gaita F, LeWinter M. Evaluation and Treatment of Pericarditis: A Systematic Review. JAMA. 2015 Oct 13;314(14):1498-506

3) Miloslavsky E, Unizony S. The heart in vasculitis. Rheum Dis Clin North Am. 2014 Feb;40(1):11-26.Imazio M et al. Antinuclear antibodies in recurrent idiopathic pericarditis: prevalence and clinical significance. Int J Cardiol. 2009 Aug 21;136(3):289-93

               

                                

Um comentário:

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