segunda-feira, 23 de maio de 2016

B3 - Fisiopatologia e significado clínico

A presença de terceira bulha (B3) é um achado eventual durante a asculta cardíaca, sobretudo para quem costuma atender pacientes com insuficiência cardíaca. Mas você sabe qual o mecanismo de formação da B3 ? Ela sempre é patológica ?
Para o melhor entendimento do significado da 3a bulha precisamos recuperar alguns conceitos de fisiologia cardiovascular:
1)  Diástole
Durante a diástole o enchimento dos ventrículos depende de três fases sequenciais: enchimento rápido, enchimento lento e contração (ou kick) atrial. Em um indivíduo hígido, cada fase é responsável respectivamente por aproximadamente 75%, 10% e 15% do volume de sangue que chega aos ventrículos direitos e esquerdos.
2) Mecanismo de formação da B3
A terceira bulha ocorre durante a fase de enchimento rápido, após a abertura das válvulas atrioventriculares. O sangue que estava sendo represado nos átrios chega rapidamente ao ventrículo e é ‘freado’ ou ‘desacelerado’.  Quando a desaceleração da coluna de sangue é muito abrupta essa desaceleração causa dissipação da energia cinética ( da massa de sangue em movimento), essa dissipação de energia causa vibração das estruturas adjacentes, que quando transmitida pela caixa torácica é audível, formando a terceira Bulha.
3) O que causa a B3 ?
Entendendo o mecanismo de formação da B3 percebe-se que ela pode originar-se tanto de condições hemodinâmicas que aumentem o fluxo de sangue durante a fase de enchimento rápido como de condições que façam que a desaceleração do sangue seja muito abrupta ( por diminuição da complacência ventricular) ou de uma soma dos dois componentes
Aumentam a velocidade do sangue na fase de enchimento rápido:
-  PVC elevada (onda v do pulso venoso)
-  Relaxamento do VE ( aumenta a diferença de pressão entre AE-VE)
-  Hipervolemia
-  Estados Hiperdinâmicos ( febre, tireotoxicose, anemia, ...)
Principais determinantes da complacência ventricular esquerda
-        Espessura da parede
-        Composição da parede miocárdica ( fibrose, inflamação, isquemia, infiltrado)
-        Presença ou não de restrição pericárdica
-        Diâmetros da câmara
-        Grau de relaxamento do VE ( isquemia ou hipertrofia miocárdica causam défict do relaxamento)
-        Curva de pressão/volume do VD ( disfunção de VD com regimes pressóricos elevados podem afetar a complacência do VE)
Portanto patologias que afetam a complacência do coração ( que pode ser explicada como a capacidade do ventrículo de acomodar o fluxo de sangue que recebe na diástole) por qualquer um destes mecanismos podem levar a formação de B3 por levar a desacelaração abrupta da coluna de sangue
4)  Dica prática: como diferenciar B3(TUM-Tá-Tá) de B2 desdobrada (TUM-Trá)
As vezes na asculta em decúbito dorsal é difícil a diferenciação entre B2 desdobrada e B3. Algumas dicas para ajudar são:
      a) Asculte o paciente em pé: B3 costuma sumir
      b) Qual foco em que a B3 ou B2 desdobrada é mais evidente: B2 desdobrada costuma ser mais audível nos 2o e 3o espaços intercostais enquanto B3 é mais facilmente identificada no ápice
      c) Frequência: B2 desdobrada é uma bulha de alta frequência (mais evidente quando auscultada com o diafragma) e B3 é uma bulha de baixa frequência (mais clara com a campânula)
 5) B3 é sempre patológica?
Não, nem toda B3 é patológica. Condições de hipervolemia ( ex: gestação) ou indivíduos jovens com grande capacidade de relaxamento ventricular podem ter B3 audível e fisiológica.
Diversos estudos já demonstraram que mesmo com múltiplos exames complementares disponíveis ( ECO, Cateterismo direito, RNM) a presença de B3 ainda é um fator prognóstico importante e independente, sobretudo para pacientes com IC descompensada.

Leitura sugerida
1-    The clinical meaning  of the third Heart Sound. Joshua Wynne. The American Journal of Medicine https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=11498071
2-    Third Heard sound: genesis and clinical importance. International Journal of cardiology
3-    Third heart sound in hospitalised patients with acuteheart failure: insights from the ATTEND study.  Int J Clinical Practice
4-    Prognostic value of the physical examination in patients with heart failure and atrial fibrillation: insights from the AF-CHF trial (atrial fibrillation and chronic heart failure). JACC HF
                   https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24622114

Um comentário:


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