terça-feira, 13 de setembro de 2016

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quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Dispositivos de Assistência Circulatória - Parte III: Características gerais dos dispositivos

Existem grandes diferenças entre os dispositivos de assistência circulatória atualmente disponíveis no mercado, variando desde local de implantação, mecanismo de funcionamento, pulsatilidade, tipo de funcionamento do motor. Resumimos aqui as principais características destes dispositivos:

1) Posição em relação ao paciente: para corpóreo ou implantável
Dispositivos podem ser para-corpóreos (fora do corpo) ou implantável. A diferença entre eles é grande, dispositivos para-corpóreos limitam a capacidade de deambulação do paciente, apresentam maior risco de trauma, de mau funcionamento por obstrução das vias, de complicações e de durabilidade, sendo os para-corpóreos em geral utilizados como dispositivos de curta duração

2) Mecanismo de inserção: percutâneo ou cirúrgico
Os dispositivos podem ser implantados percutaneamente ou cirurgicamente, os de implantação percutânea são utilizadas apenas como dispositivos de curta duração. Os de inserção cirúrgica podem ser de longa ou curta duração.

3) Tipo de fluxo: contrapulsação, contínuo ou pulsátil
O fluxo do dispositivo pode funcionar em contrapulsação ( Balão Intra Aórtico), contínuo ( funciona constantemente durante o ciclo cardíaco) ou pulsátil (fluxo pelo dispositivo de acordo com o ciclo cardíaco)

4) Ventrículo assistido
Assistência do ventrículo esquerdo, direito ou ambos

5) Mecanismo de funcionamento da bomba: Axial ou Centrífugo ( para bombas de fluxo contínuo)
O tipo de funcionamento da bomba ( axial ou centrífugo) apresenta grande diferença fisiológica em sua funcionamento. A bomba centrífuga funciona como um "arremessador", ou seja ela captura em suas lâminas e o arremessa para frente, tangencialmente ao plano das lâminas; As bombas axiais funcionam como o ato de "empurrar" ela recebe o sangue o empurra para frente, paralelo ao plano da bomba. A figura 2 resume a diferença entre essas bombas.
Mecanismos de funcionamentos de bombas: axial x centrífuga. Note que em bombas centrifugas o sangue  tem outros caminhos para chegar na vida de saída que não sejam impulsionados pela bomba, enquanto no axial e bomba precisa empurrar todo o fluxo de sangue. Fonte: Left Ventricular Assist Devices: A rapidly evolving alternative to transplant JACC 2014

A importância do mecanismo de funcionamento da bomba reside no fato de que as bombas centrifugas são mais "sensíveis" a mudança da pós-carga e pré-carga e por isso durante o ciclo cardíaco elas variem amplamente o seu fluxo de sangue durante  sístole e diástole, dessa maneira elas são mais efetivas para retirar a carga excessiva do VE, o que tem sido apontado como um dos fatores que induzem a recuperação do VE após o implante do dispositivo. Este conceito teórico ainda não foi confirmado em estudos clínicos.

Fluxo da bomba de acordo com mecanismo de funcionamento. Note que com a mudança da pressão entre o a vida de entrada ( VE) e via de saída ( Aorta) durante o ciclo cardíaco , com variação da diferença de pressão de 40 (sístole) para 80 ( diástole)( A pressão que a bomba "enxerga" (AO - VE) e que representa a pressão que a bomba enfrenta para bombear o sangue para a Aorta, a bomba centrifuga varia o seu fluxo de 10 para 0 L/min enquanto a bomba axial com a mesma variação de pressão varia de 7 para 4 L/min para mesma variação de pressão ( de 40 para 80mmHg). A Bomba Axial é muito menos sensível a pós-carga. A diferença de pressão (ΔP) é menor na sístole pois a contração do VE ajuda a diminuir o gradiente entre VE-Ao, facilitando o trabalho da bomba. Fonte:  Left Ventricular Assist Devices: A rapidly evolving alternative to transplant. JACC 2015



Por conta dessas diferenças a bomba axial apresenta algumas desvantagens com relação a bomba centrífuga principalmente por estimar pior o fluxo da próprias bomba, apresenta maior risco de eventos de sucção (a via de entrada da bomba pode puxar com tanta força que a parede do ventrículo esquerdo pode entupir a via de entrada), é menos pulsátil e portanto descomprime menos o VE.
Principais diferenças fisiológicas entre as bombas axiais e centrífugas.  Fonte: Moazami et al. Comparison of Axial vs Centrifugal Pumps. JHLT 2013


Porquê a pulsatilidade é importante já que o débito cardíaco é o mesmo ? 
- muitas das complicações dos dispositivos tem sido atribuídas a perda da pulsatilidade
- um fluxo não pulsátil aumenta as má-formações arterio-venosas principalmente no TGI ( fonte de sangramento em um paciente com necessidade de utilizar anti-plaquetário associada com warfarina)
- sem pulsatilidade a valva aórtica não abre: aumenta o risco de estenose e subsequente insuficiência além de aumentar o risco de formação de trombo sobre o valva aórtica e possível embolização

6) Tipo de suporte da bomba: mecânico, hidrodinâmico, eletromagnético ou magnético
Essas características determinam basicamente como a 'casa de máquinas' suporta o motor propriamente dito, de acordo com o tipo de suporte determina-se a durabilidade do motor ( suporte que não envolvem contato direto entre o motor e o outros componentes tendem a durar mais por terem menos fricção - por exemplo o suporte por levitação magnética dito 'sem contato') e também influem no nível de hemólise que o dispositivo induz (pela superfície de contato entre o sangue e o motor) e em sítios para possível deposição de trombo e fibrina

7) Durabilidade: curta ou longa duração
Os dispositivos podem ser de curta duração ( horas-dias-semanas; em geral até 30 dias), de média duração ( 1 mês - 1 ano) ou de longa duração ( meses/anos).

8) Mecanismos pelos quais o dispositivo pode ser efetivo ?
- Mantém o débito cardíaco independente do função "nativa"
- Aumenta a perfusão coronariana
- Diminui o diâmetro do VE ( diminui o raio --> diminui a tensão do VE pela Lei de Laplace --> diminui o consumo de oxigênio)
- Diminui as pressão intracavitárias --> diminui a pressão pulmonar --> melhora a congestão pulmonar


Referências:
1) Mancini and Colombo.  Left Ventricular Assist Devices: A rapidly evolving alternative to transplant. JACC 2015
2) 2015 SCAI/ACC/HFSA/STS Clinical Expert Consensus Statement on the Use of Percutaneous Mechanical Circulatory Support Devices in Cardiovascular Care. JACC 2015
3) Moazami et al. Comparison of Axial vs Centrifugal Pumps. JHLT 2013
4)  Fiorelli AI et al. Assistência circulatória mecânica: porque e quando.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Dor após esternotomia: estou manejando isso certo?

* Daniel Valente Batista
* João Nathanael Lima Torres (#)

Fonte: https://pixabay.com/pt/cirurgia-cirurgia-de-revasculariza%C3%A7%C3%A3o-541944/
Na rotina de avaliação dos pacientes em pós-operatório de cirurgia cardíaca há vários pontos a serem focados pelo cardiologista, quais sejam: vigilância infecciosa, atenção a sangramentos, presença de arritmias, detecção de alterações da função renal e manejo da DOR.

A dor no P.O. é um item importante a ser controlado e, talvez, um dos aspectos que mais impactará física e psicologicamente o  paciente. Sendo assim, a algia após esternotomia é assunto que deve sempre chamar a atenção e pesquisada como um sinal vital. Apenas recentemente a dor pós-operatória tem sido reconhecida como um importante fator de risco para cronificação da dor. Apesar de alguns  alguns estudos retrospectivos concluírem que a algia pós-esternotomia é considerada de leve-moderada intensidade na maioria dos casos, porém cronifica-se em até 50% dos casos, dos quais até 3% irão experimentar a 'cronificação' da dor de forte intensidade.

A dor aumenta a descarga simpática e humoral, prejudica a amplitude respiratória - podendo até mesmo ter correlação com infecção pulmonar - piora a qualidade do sono, está associada a transtornos de ansiedade/depressão no peri-operatório, resulta em demora na deambulação do doente e impacta na relação médico-paciente, uma vez que sua presença gera insatisfação do paciente/família.

Infezlimente, ainda é comum que esse quesito seja negligenciado em muitos pacientes. Além disso, muitas vezes é subtratada por falta de familiaridade com drogas analgésicas e por medo de possíveis efeitos colaterais, fazendo com que o doente fique privado da sensação de bem-estar de ter sua dor controlada.

Especificamente no P.O. de cirurgica cardíaca o doente tem múltiplas causas: a própria esternotomia, a presença de drenos torácicos, a incisão da safenectomia (nos casos de cirurgias de revascularização miocárdica) ou pelo tempo prolongado em decúbito dorsal pela restrição ao leito, que poderá a exacerbar dorsalgias até então controladas antes do ato operatório.Na maioria dos casos, a inserção do dreno e a incisão esternal, principalmente se houver dissecção da artéria mamária, são as principais causas de dor no pós operatório. Geralmente o paciente se queixam de dor em queimação ou pressão no sítio cirúrgico.
A analgesia pós operatória inicia-se antes mesmo do ato cirúrgico, ou seja, durante a visita pré anestésica, onde o anestesista/clínico  irá também discutir com o paciente sobre o histórico de dor crônica, uso de opióides prévios , a medicação pré-anestésica e o passado de dor/náuseas em cirurgias anteriores e juntamente com a equipe cirúrgica, a analgesia deve ser combinada  em equipe (anestesia-cirugia-paciente), avaliando os riscos/ benefícios e individualizando para cada caso. Nesse caso o paciente é o ser ativo e sua opinião também é de extrema importância para qual analgesia devemos optar.

Seja um abordagem peridural  torácica ou paravertebral, que hoje ganhou bastante espaço com a técnica usada com USG ou bloqueios de parede torácica, como o plano SERRÁTIL, que tem a vantagem de não alterar a hemodinâmica do paciente e isentando também dos riscos de formação de hematomas profundos em pacientes que poderão ficar anticoagulados. Nos casos em que os bloqueios são contra-indicados, a analgesia controlada pelo paciente por via endovenosa(PCA-EV) torna-se a a de primeira escolha.

Estudos mostram que a dor em repouso pós-esternotomia chega até cerca a afetar 50% dos doentes em repouso, em torno de 60% ao realizar algum tipo de movimento e  até a 80% ao tossir.

De uma maneira geral, selecionamos 7 tópicos com os quais você deve ficar atento:

1) Não menospreze a sensação de dor do seu paciente. Lembre-se que a sensação de dor é subjetiva. Valorize o relato do doente, pois esse é uma das melhores ferramentas de avaliação. Faça utilização de alguma das várias escalas de dor disponível e faça isso diariamente. Pesquise ativamente tanto a dor em repouso, quando o paciente se encontra relaxado e restrito ao leito, quanto a dor incidental, representada pelos picos de dor durante à movimentação para o banho, fisioterapia ou durante a tosse. Ambas implicam em regimes analgésicos diferentes para o controle da dor

2) Tente deixar, ao menos nos primeiros dias do PO, analgesia de horário. Lembre-se que prevenir que a dor aconteça é mais fácil do que controlar o episódio já instalado.

3) Evite a via intra-muscular como forma de analgesia por dois motivos: a própria via é relacionada a dor e a absorção do fármaco é errática.

4) Não tenha medo dos opióides. Faça uso deles sempre que necessário. A via habitual de infusão ainda é a endovenosa. Contudo, lembre da possibilidade do uso de opióides por via oral como ferramenta para esses doentes. Há estudos comparando formulações de opióides orais (p.e. a oxicodona) com outras formulações parenterais e mostrando taxas de controle de dor semelhantes com as duas vias de administração, com a vantagem de maior facilidade e menor custo com a via oral. Inclusive, a recomendação de 2016 do Guideline de manejo da dor pós-operatória da Sociedade Americana de Dor aponta a via oral como preferível a EV se o paciente tiver condições de deglutir.

5) Se estiver prescrevendo opióides, lembre de vigiar o surgimento de efeitos colaterais, tais como constipação, sedação, pútrido e náuseas

6) Se o paciente for jovem, sem alteração de função renal ou  uso concomitante de medicações nefrotóxicas ou fator de risco para doença ulcerosa péptica, considere um ciclo curto (2-3 dias) de uso de anti-inflamatórios como adjuvante ao uso de opióides. Pode- se fazer uso liberal do paracetamol ou dipirona, respeitando as contra-indicações específicas de cada medicação.

7) Se houver dificuldade para ajuste da dor, contacte o serviço de medicina da dor de seu estabelecimento para auxiliá-lo. 

(#) Médico com graduação pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Anestesiologista com residência médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente, é residente em Medicina da Dor pela Disciplina de Anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Currículo Lattes

Leitura sugerida

Guidelines on the Management of Postoperative Pain. The Journal of Pain, Vol 17, No 2 (February), 2016: pp 131-157. Disponível aqui

Ana Paula Santana Huang, Rioko Kimiko Sakata. Pain after sternotomy – review. Brazilian Journal of Anesthesiology (English Edition), Available online 23 April 2016
A randomised trial of oral versus intravenous opioids for treatment of pain after cardiac surgery. Journal of Anesthesia, 2013, Kurt Ruetzler, Constance J. Blome, Sabine Nabecker, Natalya Makarova, Henrik Fischer, Harald Rinoesl, Georg Goliasch, Daniel I. Sessler, Herbert Koinig

Lahtinen P, Kokki H, Hynynen M. Pain after cardiac surgery: prospective cohort study of 1-year incidence and intensity. Anesthesiology. 2006;105:794---800.

terça-feira, 19 de julho de 2016

Dispositivos de Assistência Circulatória - Parte II: Cuidados ao se indicar um dispositivo

Cuidados ao se indicar um dispositivo

Quando indica-se um dispositivo de assistência circulatória esquerda, deve-se tomar alguns cuidados para:
1) Indicar o dispositivo certo para o paciente
2) Minimizar complicações após o implante
3) Avaliar contra-indicações

A) Avalie o Ventrículo Direito

Após o implante do dispositivo de assistência circulatória espera-se que aumente-se o débito cardíaco do paciente, como o Ventrículo Esquerdo e o Ventrículo direito trabalham em um circuito fechado, o débito das duas câmaras é o mesmo, e antes do implante do dispositivo de assistência circulatória ao ventrículo esquerdo ( LVAD - Left Ventricle Assist Device) deve-se verificar se o paciente não apresenta alto risco de disfunção de ventrículo direito após o implante do dispositivo . Não há definição na literatura sobre quais parâmetros utilizar mas em geral baseia-se em:

I) Ecocardiográficos: disfunção de VD, diâmetro do VD aumentado, TAPSE < 7,5, Insuficiência tricúspide importante associada com disfunção de VD
II) Hemodinâmicos: PAD>15, relação PVC/PCP > 0,63, RVP > 8 Woods, GTP > 12, GDP > 5
III) Clínicos-laboratoriais: disfunção hepática, congestão direita franca, disfunção renal importante

Nestes casos em que tudo indica que o VD não suportará a "ajuda" ao VE, se permanecer a indicação clínica de suporte circulatório deve-se indicar um suporte Biventricular. Cabe ressaltar que a indicação de suporte biventricular ao invés de suporte univentricular esquerdo não baseia-se apenas em algum dos fatores acima mas no conjunto dos fatores e individualizos para a situação clínica de cada paciente. Talvez no futuro defina-se uma maneira mais objetiva de se determinar - através de um score - quem deve ou não receber o dispositivo biventricular. Em artigos recentes um parâmetro que tem predito com alto grau de acurácia aqueles pacientes que irão evoluir com disfunção de VD - mas ainda não testado prospectivamente -  é o índice de pulsatilidade da artéria pulmonar, definido como PAS - PAD da artéria pulmonar / Pressão no átrio direito. Pacientes com índice > 2,0 em geral não evoluem com disfunção de VD após implante do LVAD ( Left Ventricule Assist Device)  e índices menores que 2,0 tem grandes chances de evoluirem com disfunção de VD ( Sensibilidade de 74% e Especificidade 67% para necessidade de suporte do VD após o implante). Éimportante calcular esse índice antes de se indicar o dispositivo, mas sempre tome a decisão sobre o tipo de dispositivo ( uni ou biventricular ) baseado em todas as características do paciente.

PAPi ou índice de pulsatilidade da artéria pulmonar. RA indica a pressão no átrio direito. um índice > 2,0 parece ser um corte bom para avaliar quem tem menos chances de evoluir com disfunção do ventrículo direito após o implante do dispositivo. Fonte: Kang et al. PAPi Predicts RVF After LVAD Implantation. JHLT 2016


Porque Acontece ?
- o VD as vezes não suporta o aumento da pré-carga gerado pelo dispositivo esquerdo ( lembre que o débito do VE = débito do VD)
- o desvio do septo para dentro do VE - secundário ao esvaziamento do VE pelo dispositivo - afeta a interdependência ventricular, diminuindo a capacidade do VD de ejetar sangue ( estima-se que 20% a 40% do débito do VD dependa da contratilidade do ventrículo esquerdo e da interdependência ventricular).
- O desvio do septo também piora a insuficiência tricúspide pela deslocamento anatómico do anel valvar da tricúspide, aumentando o volume de sangue regurgitante e diminuindo o fluxo de sangue pela artéria pulmonar

B) Valvopatias

Avaliar se o paciente não tem valvopatia importante que deve ser corrigida no mesmo tempo cirúrgico principalmente Insuficiência aórtica (em dispositivos VE-Ao se houver Insuficiência Aortica importante forma-se um circuito em alça fechada em que o sangue ejetado pelo dispositivo retorna para o ventrículo esquerdo pela valva aórtica incompetente, sem fluxo anterógrado do sangue). Deve-se corrigir no momento do implante do dispositivo as valvopatias aórticas. Insuficiência tricúspide moderada ou grave também deverá ser corrigida. Para as valvopatias mitrais deve-se corrigir a estenose moderada ou importante, a insuficiência em geral não necessita de intervenção a menos que haja possibilidade de recuperação do VE ( "ponte para recuperação") nestes casos pode-se corrigir a insuficiência mitral, desde que esta seja moderada ou grave. 

C) Anticoagulação

Certifique-se que o paciente tolera a anticoagulação e não apresenta nenhuma contraindicação absoluta ao uso de warfarina uma vez que pacientes com dispositivos de assistência circulatória de médio/longo-prazo deverão ser anticoagulados (para os dispositivos atuais que são de fluxo contínuo - não pulsátil). Para dispositivos de curto-prazo a necessidade de anticoagulação varia de acordo com o dispositivo e não é mandatória. Para os dispositivos de curto-prazo o único em que a anticoagulação  não é obrigatória é o Balão Intra-Aórtico.

D) Suporte Social

Um dispositivo de longa permanência requer muitos cuidados e compreensão pela família/paciente dos seus riscos, bem como da mudança no padrão de vida daqueles indivíduos portadores de dispositivos. Os pacientes devem receber aulas sobre o manejo do dispositivo em casa e devem se mostrar hábeis para o manejo do dispositivo.

E) Dispositivo de curta duração x longa duração
Pacientes com choque cardiogênico em INTERMACS 1 apresentam grande mortalidade ( ~50%) quando submetidos ao implante de um dispositivo de longa duração, baseando-se nisso a tendência atual é implantar um dispositivo de curta duração - cuja inserção é mais rápida e fácil, associada com menor riscos intrínsecos ao procedimento - como uma método de 'ponte para ponte', isto é, para a inserção posterior de um dispositivo de longo prazo. Em geral pacientes com choque cardiogênico refratário necessitam de uma intervenção rápida (horas) ou o paciente evoluirá para disfunção múltipla de órgãos e morte, por conta dessa 'pressa' por muitas vezes não é possível se definir se o paciente é de fato um candidato para suporte circulatório de longo prazo ( status neurológico incerto, suporte social, pagamento pelo convênio, avaliação de contra-indicações para o dispositivo e invariavelmente problemas relacionados ao serviço de saúde: disponibilidade de sala cirúrgica, anestesista, cirurgião cardíaco, etc). Ressalta-se que se pacientes em perfil INTERMACS 1 não é contra-indicado o implante de dispositivo de longa permanência desde que sua elegibilidade esteja bem definida e as contra-indicações excluídas, no registro INTERMACS por exemplo aproximadamente 16% dos dispositivos são implantados em pacientes com este perfil, mas este número vem caindo progressivamente pelas condições descritas acima e pela melhora exponencial de dispositivos de curta duração

"Timing" ideal para se indicar um dispositivo de assistência circulatória de longo prazo.  Fonte: Peura et al. Recommendations for the use of mechanical circulatory support. Circulation 2012


F) Contraindicações absolutas para dispositivos de longa permanência:
- insuficiência hepática, renal (IRC dialítica antes da internação) e neurológica irreversíveis
- não-aderência medicamentosa
- limitações sociais muito graves
- comorbidades graves com expectativa de vida menor que 1 ano

Contraindicações relativas e absolutas de suporte circulatório de longo prazo. Fonte: Peura et al. Recommendations for the use of mechanical circulatory support. Circulation 2012
Proposta de Algoritmo para escolha de dispositivo de curta ou longa duração para pacientes que se apresentam clinicamente em choque cardiogênico. A primeira opção para pacientes com choque cardiogênico agudo são os tipositicos de curta duração ( ECMO, BIA, CentriMag, Tandemheart, Impella) para fornecer suporte enquanto decide-se entre em suporte com dispositivo de longa duração ou listagem para Transplante Cardíaco. Mesmo para pacientes listados para transplante cardíaco pode-se indicar um LVAD como "ponte para transplante" (BTT). DT é a indicação como Terapia de Destino. BTD é "ponte para decisão". Fonte: Peura et al. Recommendations for the use of mechanical circulatory support. Circulation 2012

Leitura Recomendada:


1) Peura et al. Recommendations for the use of mechanical circulatory support. Circulation 2012

2) International Society for Heart and Lung Transplantation Guidelines for mechanical circulatory support. JHLT 2013
3) Kang et al. PAPi Predicts RVF After LVAD Implantation. JHLT 2016
4) Eliott et al. Patient Selection for Long-Term Mechanical Circulatory Support: Is It Ever too Early for the NYHA Class III Patient?. Curr Hear Fail Opinion 2016

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Dispositivos de Assistência Circulatória - Parte I: Indicações

Esta postagem é a primeira postagem sobre dispositivos de assistência circulatória, que será dividida em outras 7:

I) Indicações
II) Cuidados ao se indicar um dispositivo
III) Características gerais dos dispositivos
IV) Os principais dispositivos
V) Efeito hemodinâmico dos dispositivos
VI) Manejo habitual de um paciente com dispositivo
VII) Complicações relacionadas aos dispositivos
VIII) Manejo de um paciente com dispositivo de assistência ventricular no pronto-socorro: Caso Clínico

I) Indicações

Os dispositivos de assistência circulatória começaram a serem utilizados para auxílio no manejo de pacientes com choque cardiogênico refratário a inotrópicos e vasopressores. No entanto, com a evolução tecnológica destes dispositivos e consequentemente aumento da sua segurança e resistência, passou-se a ampliar as indicações para manejo de pacientes que não estavam em choque franco, mas que permaneciam extremamente sintomáticos a despeito de terapia médica otimizada, ou ainda como uma tentativa de melhorar a qualidade de vida em pacientes com contraindicações absolutas ao transplante cardíaco. As indicações subdividem-se de acordo com a sua finalidade - suporte circulatória de maneira transitória ( "curto prazo") ou de longa duração ( "longo prazo").

O uso do Balão Intra Aórtico se iniciou no fim da década de 60, inicialmente em pacientes cirúrgicos, com rápida progressão do seu uso para o choque cardiogênico. 

A) Indicações de implante de dispositivo 'curto' prazo: nesta categoria o suporte circulatório visa ou ajudar o paciente a se recuperar de uma situação extremamente crítica ou fornecer suporte por um período temporário em que algum procedimento planejado possa comprometer temporariamente o status hemodinâmico do paciente.
- Angioplastia de alto risco
- Tratamento percutâneo de valvopatias de alto risco
- Choque cardíaco refratário a inotrópicos/vasopressores
- IC avançada com instabilidade hemodinâmica importante ( pacientes provavelmente que não suportariam um implante de dispositivo de médio/longo prazo, implanta-se um dispositivo de curto prazo - que tem menor risco relacionado ao procedimento - para depois definir-se o implante de outro dispositivo). Chamado de "ponte-para-ponte"
- Dificuldade de saída de circulação extra-corpórea após cirurgia cardíaca
- Arritmias secundárias a isquemia e refratárias a tratamento clínico
- Falência aguda de transplante cardíaco (tanto de Ventrículo Esquerdo ( falência primária de enxerto) como de Ventrículo Direito( por Hipertensão Pulmonar) com suportes esquerdo e direito, respectivamente). 

As principais opções para curto-prazo são: Balão Intra Aórtico, Impella, ECMO, CentriMag e Tandem Heart

B) Indicações de dispositivos para uso a médio/longo prazo podem ser dividas em:


1) Ponte para Transplante: paciente com falência de desmame de inotrópicos ou necessidade de uso de balão intra aórtico para suporte circulatório ou ainda com progressão de disfunção orgânica à despeito de inotrópicos. Usualmente pacientes em classe funcional NYHA IV e em deterioração progressiva. A indicação do dispositivo neste contexto visa a otimização hemodinâmica do paciente para receber o órgão numa condição hemodinamicamente melhor, com melhora da hipertensão arterial pulmonar e melhora do status nutricional. São pacientes que em geral encontram-se muito instáveis para esperar o transplante cardíaco sem nenhuma assistência circulatória.

2)  "Ponte para eligibilidade": indicada para pacientes com contra indicação ao transplante  que é potencialmente reversível com o uso do dispositivo ( ex: disfunção orgânica secundária a IC potencialmente reversível, paciente com necessidade de perda ponderal antes de se indicar o transplante), ou para pacientes que necessitam de assistência circulatória mas a decisão sobre o transplante ainda não foi definida (. Nestes pacientes pode-se também indicar um dispositivo de 'curto-prazo' para avaliar a melhora da disfunção orgânica após o aumento do débito cardíaco.

3) "Ponte para decisão": para pacientes que necessitam de assistência circulatória mas a decisão sobre o transplante/assistência circulatória ainda não foi definida por exemplo por status neurológico duvidoso. (Nestes pacientes pode-se também indicar um dispositivo de 'curto-prazo' para avaliar a melhora da disfunção orgânica após o aumento do débito cardíaco.

4) "Terapia de destino": para pacientes com contraindicações absolutas ao transplante cardíaco ( vide figura 2) e com expectativa de vida superior a 1 (um) ano. Nos Estados Unidos para haver reembolso pelo convênio (Medicare) desta indicação o paciente precisa obrigatoriamente preencher os seguintes criterios: i) NYHA 4 por mais de 60 dias; ii) VO2 < 14 ou dependencia de dobutamina / BIA; iii) FEVE < 25% e iv) contra-indicação absoluta ao transplante. Atualmente essa é a maior indicação para implante de dispositivo no mundo. Quando a mortalidade estimada por scores prognósticos de Insuficiência Cardíaca ( Seattle / HFSS ) é maior que 50% em 1 ano, a possibilidade de assistência ventricular deve ser aventada.

5) Ponte para recuperação: o uso do dispositivo pode por retirar a sobrecarga do ventrículo esquerdo levar a uma recuperação do miocárdio, levando a melhora da função ventricular e consequente possibilidade de se retirar o dispositivo. Usualmente indica-se um dispositivo com esta finalidade para pacientes com disfunção ventricular progressiva e aguda (ou seja: causas potencialmente reversíveis como miocardite peri-parto, miocardite, rejeição de transplante cardíaco, ...). Outro ponto interessante é que pacientes com dispositivo toleram com mais facilidades as doses da medicações testados nos estudos, facilitando uma possível recuperação.

Ressalta-se que atualmente as indicações de dispositivos de longo prazo limitam-se usualmente a paciente com perfil INTERMACS entre 1-3. A indicação para pacientes mais estáveis - NYHA CF IV "menos graves"ou seja sem necessidade de uso de inotrópicos e com INTERMACS entre 4-6 ainda é mais cautelosa e rara. Dados de um estudo não randomizado (ROADMAP ) sugerem melhora de qualidade de vida e qualidade de vida nesta população, sob o custo de eventos adversos ( sangramento, AVE, infecção) relacionados ao dispositivo. Por este motivo a decisão deve ser individualizada de acordo com número de internações por insuficiência cardíaca no último ano com necessidade de uso de inotrópicos, qualidade de vida com medicação otimizada, disfunções orgânicas associadas a insuficiência cardíaca, VO2 máximo na ergoespirometria, mortalidade prevista por scores clínicos e considerando-se os riscos inerentes ao dispositivo. Um estudo observacional prospectivo que abrange esta população (MEDAMACS) e um estudo randomizado (REVIVE-IT) estão em curso e poderão fornecer novas informações sobre o melhor manejo destes pacientes.

Os principais dispositvos de médio/longo-prazo são: Heart Mate II e III,  Heart Ware, Jarvik 2000, Berlin Heart, Syncardia.


Classificação INTERMACS. Note que a definição de NYHA CF "3b" ainda é controversa na literatura mas em geral denota pacientes extremamente sintomáticos mas não em CF NYHA IV ( ou paciente em NYHA III com descompensação recente). Fonte: Stevenson LW, Pagani FD, Young JB, et al. INTERMACS profiles of advanced heart failure: the current picture. J Heart Lung Transplant 2009 

Percentual de indicação de dispositivo de assistência circulatória de longo prazo de acordo com classificação INTERMACS. Note que a maior parte das indicações são para pacientes em INTERMACS 1-3 ( ~80%). Este banco de dados NÃO inclui pacientes com uso de dispositivos de curta duração. Fonte: Mancini and Colombo. LVAD versus Transplant. JACC 2015

Contra-indicações para Transplante Cardíaco e para implante de dispositivo de assistência circulatória esquerda. Alguns valores de corte podem diferir entre centros. Fonte: Mancini and Colombo. LVAD versus Transplant. JACC 2015
Ressalta-se que a indicação de dispositivos para pacientes em INTERMACS 3-4 deve ser restrita a pacientes refratários a terapias convencionais ( em geral > 6 meses em terapia médica otimizada), sem indicação de outros tratamentos para Insuficiência Cardíaca ( ex: Terapia de Ressincronização Cardíaca).


Leitura recomendada:

1) Stevenson LW, Pagani FD, Young JB, et al. INTERMACS profiles of advanced heart failure: the current picture. J Heart Lung Transplant 2009
2) Estep et al. Risk Assessment and Comparative Effectiveness of Left Ventricular Assist Device and Medical Management in Ambulatory Heart Failure Patients. Results From the ROADMAP Study. JACC 2015 
3) Kirklin et al. Seventh INTERMACS Report
4) McMurray JJ, Adamopoulos S, Anker SD, et al. ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure 2012: The Task Force for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure 2012 of the European Society of Cardiology. Developed in collaboration with the Heart Failure Association (HFA) of the ESC. Eur Heart J 2012; 33:1787
5) Mancini and Colombo. LVAD versus Transplant. JACC 2015
6) 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Uso de vasoconstrictor associado a anestésico local em cardiopata: o que dizer ao cirurgião-dentista?

Fonte: https://pixabay.com/pt/inje%C3%A7%C3%A3o-m%C3%A9dica-agulha-seringa-1294131/

Há um tempo atrás fizemos um post a respeito dos principais temas que geram alguma dúvida/angústia nos colegas odontólogos quando se preparam para algum tipo de intervenção em pacientes cardiopatias (veja aqui) e quais as principais recomendações a respeito.

No post de hoje, iremos falar um pouco mais sobre o uso dos vasoconstrictores associados a anestésicos locais, haja vista que ainda é prática comum que médicos orientem que se evite todo e qualquer tipo de vasoconstrictor associado a anestésico local para procedimentos odontológicos.

O efeito desejável do vasoconstrictor é que se diminua o sangramento e a velocidade de absorção do anestésico local, consequentemente diminuindo a necessidade do mesmo, o que, per si, também atua como um protetor cardiovascular, haja vista que os anestésicos locais tem potencial arritmogênico, embora em doses bem maiores que as habitualmente utilizada pelos odontologistas.

Nos últimos anos, o resultado de algumas pesquisas vem consolidando a segurança do uso desse adjuvante em população cada vez mais diversa de cardiopatas - hipertensos, portadores de doença coronariana crônica, pós-infartados (3-6 meses), arritmias, etc. Muitos desses estudos, inclusive, com o DNA de pesquisadores brasileiros, dos quais pontuamos 2 abaixo.

Conrado, VCLS e cols, em estudo de 2007, avaliaram 54 pacientes sabidamente coronariopatas em relação a pesquisa de ocorrência de isquemia durante ou após procedimento de exodontia em relação ao uso ou não ADRENALINA como vasoconstrictor. Esse estudo incluiu a realização de Holter, O grupo intervenção usou mepivacaína a 2%, associada ao vasoconstritor adrenalina 1:100.000 e o grupo controle mepivacaína a 3% sem vasoconstritor. Não foram observadas nenhuma diferença estatisticamente significante em relação aos grupos. 

Cáceres, MTF e cols, em estudo de 2008, avaliaram 65 pacientes portadores de arritmias ventriculares  ( chagásicos e/ou coronariopatas ) em relação ao uso ou não de vasoconstrictores. No grupo intervenção utilizou-se prilocaína a 3% associada a FELIPRESSINA 0,03 UI/ml, e no grupo controle, lidocaína a 2% sem vasoconstritor. Os autores não encontraram diferenças entre os grupos para nenhuma das variáveis: variação de frequência cardíaca, número de extra-sístoles ventriculares, bem como outras alterações hemodinâmicas. As doses de vasoconstrictor foram de 3,6 a 7,2 ml da concentração mencionada. 

Além desses, há outros trabalhos de literatura estrangeira e revisões que acabam por pontuar sobre a relativa segurança do uso dos vasoconstrictores em pacientes portadores de cardiopatia ESTÁVEL, controlada junto ao cardiologista e, obviamente, na menor dose necessário. 

A II Diretriz Brasileira de Perioperatório (2011) também vai nessa direção ao pontuar que:Essa é a postura também adotada nas II Diretrizes Brasileiras de Perioperatório de 2011, onde pontua-se que:

Em pacientes cardiopatas, o uso de pequena quantidade de anestésicos locais com vasoconstritor para procedimentos odontológicos é seguro e deve ser utilizado preferencialmente. Grau de recomendação I, Nível de evidência C

NA PRÁTICA

Sugere-se que o colega odontologista sempre solicite uma avaliação formal ao cardiologista antes de submeter um paciente sabidamente cardiopata a um procedimento eletivo. O paciente que esteja estável clinicamente, ou seja, sem sintomas limitantes de sua patologia, sem intervenção cardíaca eletiva programada e com bons parâmetros clínicos/laboratoriais, o uso de vasoconstrictor (adrenalina ou felipressina) aparenta ser seguro em doses que, se possível, não devam ultrapassar 4-5 ml nas concentrações disponíveis no mercado. 

Leitura sugerida:

CONRADO, Valeria C. L. S. et al. Efeitos cardiovasculares da anestesia local com vasoconstritor durante exodontia em coronariopatas. Arq. Bras. Cardiol. [online]. 2007, vol.88, n.5 [cited  2016-06-24], pp.507-513. Disponível aqui

CACERES, Maria Teresa Fernández et al. Efeito de anestésicos locais com e sem vasoconstritor em pacientes com arritmias ventriculares.Arq. Bras. Cardiol. [online]. 2008, vol.91, n.3, pp.142-147. ISSN 0066-782X.  http://dx.doi.org/10.1590/S0066-782X2008001500002. 

Marra,M. et al. Odontologia em Pacientes Portadores de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis (DCEI). Relampa 2009 22(3):125-129. Disponível aqui

Oliveira, A.E.M. et al. Pacientes hipertensos e a anestesia na Odontologia: devemos utilizar anestésicos locais associados ou não com vasoconstritores? HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 1, p. 69-75, jan./mar. 2010 Disponível aqui

II Diretriz de Avaliação Perioperatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol 2011; 96(3 supl.1): 1-68. Disponível aqui

Figallo, MAS et al. Use of anesthetics associated to vasoconstrictors for dentistry in patients with cardiopathies. Review of the literature published in the last decade. J Clin Exp Dent. 2012;4(2):e107-11. Disponível aqui

Godzieba A. et al. Clinical assessment of the safe use local anaesthesia with vasoconstrictor agents in cardiovascular compromised patients: A systematic review. Med Sci Monit, 2014; 20: 393-398 Disponível aqui

domingo, 26 de junho de 2016

Tatuagem e piercing em valvopata: o que recomendar ao paciente?


Fonte: https://pixabay.com/pt/tatuador-tatoo-desenho-556036/

Você está atendendo no ambulatório de válvula um paciente de 22 anos com sequela mitral de febre reumática, manifesta por uma estenose mitral leve, quando, próximo ao final da consulta, ele indaga:

 ''Doutor, posso fazer uma tatuagem?''

É sabido que as quebras de barreira, sobretudo em áreas de mucosa oral, podem levar a bacteremias que, por sua vez, ao encontrar um endocárdio danificado podem resultar no trágico quadro de endocardite.

O questionamento, portanto, é pertinente e a tema polêmico, com grande diversidade de opinião entre médicos e diferentes sociedades médicas sobre o assunto. Além disso, está havendo um aumento do número de pessoas que se encaixe nessa situação. No Brasil, por exemplo, em censo online da Revista Superinteressante, foram mapeados mais de 150 mil tatuagens no ano de 2013 - veja aqui - e, muito provavelmente, esses dados estão subestimados.

Sendo assim, existe base fisiopatológica para recomendação de uso de antibioticoprofilaxia antes de determinados procedimentos. Contudo, esse assunto é motivo de divergência entre diferentes pesquisadores/estudiosos e, de maneira geral, há correntes distintas de pensamento entre algumas importantes sociedades internacionais (americana e europeia) e os especialistas brasileiros. 

Desde o início dos anos 2000, a sequência de guidelines 'gringos' estabelece cada vez mais restrição as indicações de profilaxia - NICE, órgão britânico, em 2008, chegou até mesmo recomendar que não fossem aplicada a antibiotoprofilaxia em procedimentos odontológicos até para pacientes de alto risco de endocardite -  ao passo que as nossas recomendações - atualizadas em sua última vez nas II Diretrizes de Perioperatório de 2011 - ainda permanecem mais amplas e acabam sendo justificadas pelo fato de, no geral, a população brasiléira ter pior acesso aos sistemas médico e odontológico.

Além disso, embora ainda em pequeno número, existem relatos de quadros de endocardite após a realização de tatuagem e peircengs, sobretudo quando manipulação da língua. 

A importância do tema fez com que a ESC, em seus últimos guidelines de 2015, colocasse um tópico específico a respeito dessa situação, o qual apresentamos abaixo:

- TODOS os doentes com valvopatia, portadores ou não de prótese, devem ser esclarecidos a respeito dos riscos de endocardite e DESENCORAJADOS a realizar qualquer tipo de arte corporal que envolvam quebra de barreira cutâneo-mucosa, p.e. tatuagens ou piercings.

- Se mesmo assim o doente insistir em realizar o procedimento, o mesmo deve ser realizado em condições estéreis.

- NÃO HÁ indicação de realização de antibioticoprofilaxia para essas situações, bem como outros procedimentos cutâneos, desde que não haja infecção ativa no local, mesmo para doentes considerados de alto risco.

Quadro retirado das recomendações de profilaxia de endocardite disponíveis no ESC 2015. Veja que o nível de evidência em relação a antibioticoprofilaxia é C, sobretudo devido a escassa literatura a respeito do tema.

NA PRÁTICA

As evidência sobre o tema são fracas e os estudos com alta chance de viés. Sendo assim, como de se esperar as recomendações são de nível de evidência C. Portanto, a recomendação tem mais um poder de sugerir uma conduta do que 'bater o martelo' e fechar a questão. Entretanto, apesar de não ser a melhor evidência possível, é a melhor disponível e é o que temos para nos pautar da parte científica.

Porém,o tema é delicado, uma vez envolve não só a saúde física, mas também a sensação de bem estar social e plenitude mental do doente que aprecia a arte corporal. Sendo assim, há de se usar o bom senso.

Deve-se desestimular a prática de artes corporais que envolvam quebras de barreira desde a primeira consulta. Se o paciente, mesmo após esclarecido, insistir no procedimento, dê a orientação que procure um local onde as condições de higiene sejam impecáveis, sem reutilização de material e DECIDA em relação a utilização ou não da antibioticoprofilaxia baseado em uma balança utilizando as variáveis:

- o local aonde vai ser localizado ( pele x mucosa)
- a extensão da tatuagem
- sangramento associado
- risco de valvopatia para endocardite infecciosa
- existência de alergias prévias a algum dos antibióticos possíveis de serem utilizados

Leitura sugerida

1) 2015 ESC Guidelines for the management of infective endocarditis. European Heart Journal (2015) 36, 3075–3123 doi:10.1093/eurheartj/ehv319. Disponível aqui

2)  Infective Endocarditis After Body Art: A Review of the Literature and Concerns. M.L. Armstrong et al. / Journal of Adolescent Health 43 (2008) 217–225

3) Bacterial endocarditis following repeated tattooing. Satchithananda, Walsh, Schofield.Heart 2001;85:11–12

4) II Diretrizes Brasileiras de Perioperatório. 2011. Disponível aqui

5) Censo sobre tatuagens. Revista Super Interessante. Disponível aqui